Uma cidade sem identidade é uma cidade intransitável

Uma cidade sem identidade é uma cidade intransitável

Este texto teve seu início em um banco de bicicleta. O andar de bicicleta fez e faz parte da minha vida – assim como de muitas pessoas da cidade – e foi por ela que conheci diversos lugares da cidade de Pedro Leopoldo. Não existe, porém, uma cartografia vazia. Os lugares têm vida, e a vida é feita de histórias. Digo isso porque, cada vez que subia e descia pela cidade pedalando a minha bicicleta, encontrava pessoas que me contavam suas diversas  histórias. As narrativas surgiam das bocas de forma intuitiva e natural, eram como um repertório poético que sustentava a cidade.

Tive então a oportunidade de conversar com diversas personalidades memoráveis de nossa cidade. Muitos buscavam nas profundezas da memória lembranças de uma Pedro Leopoldo que eu não conheci, diferente do que via nas minhas andanças. Fazendas enormes que enchiam as mesas das cidades mineiras, pessoas andando a pé, serenatas, estação ferroviária, guardas de congo e muito mais! Era uma cidade culturalmente viva. A pergunta que se faz hoje é: o que aconteceu com a nossa cidade?

Acredito que a cidade perdeu sua identidade. E a meu ver, duas forças foram fundamentais para que isso acontecesse. Em primeiro lugar, a falsa promessa de um progresso saudável acompanhado da tão sonhada modernização, prometida pelas cimenteiras. A segunda força surge em  consequência da primeira. Houve um certo conservadorismo em relação às famílias que ascenderam economicamente com a chegada das mineradoras. A classe social e economicamente mais alta  ganha um novo corpo com a chegada de novas famílias à cidade. O advento dessa nova estrutura acarretou uma mudança brutal no modo de vida das famílias mais pobres, da cidade e da zona rural, ocasionando um sufocamento das tradições populares e suas expressões culturais.

Sobre o primeiro item, os pedro-leopoldenses não precisam ficar em pânico pois tais acontecimentos já ocorreram e vão continuar acontecendo em diversas cidades pelo mundo. Uma mineradora chega na cidade, constrói toda uma estrutura em seu entorno e transforma a estrutura pré-existente. Com essas transformações observa-se a criação de novos modos de fazer economia, matando aos poucos as outras relações econômicas que se desenvolveram,  ao passo em que a cidade contava sua história. Agora a nova estrutura tem sua vitalidade estritamente ligada à história contada a partir da chegada da mineradora.

Sabemos que os recursos são limitados, a viabilidade de exploração da mina tem data e hora para acabar. E um dia acaba. Depois disso, as mineradoras já não têm mais o que fazer na cidade e vão embora, deixando toda a estrutura que foi construída para atender suas demandas. Descobrimos então que grande parte das economias que organizam a cidade foram construídas em bases de areia. Por fim, percebemos que a promessa de progresso de nossa cidade nada mais é do que a mesma promessa de progresso pregado pelo neoliberalismo, o progresso exclusivo para alguns.

Já sobre o segundo item, fica fácil observar como o discurso conservador tem tomado as ruas da cidade, isso não é de hoje. As famílias tradicionais conservadoras da cidade têm evitado, de forma silenciosa ou não, o surgimento de forças que tendem a um progresso saudável, que desejam resgatar os elementos culturais que ainda dão vida e contam a história da nossa cidade. Ainda hoje, podemos ver que por trás de uma “preocupação” com a cidade no todo, existe uma segregação dos corpos “diferentes” estipulados por este mesmo movimento conservador que caminha por nossas ruas.

Então, como transitar por uma cidade onde forças contrárias a um progresso saudável são maiores do que a vontade de querer um bem-estar comum?  A resposta está nos elementos vivos de nossa cidade, que lutam muitas vezes sozinhos por sobrevivência. É preciso reconhecer, acolher e promover as expressões culturais de nossa cidade. Elas continuam contando suas histórias nos sons dos tambores das guardas, dos instrumentos da orquestra, do RAP na praça e nos bancos nas portas das casas. Resgatar a identidade da cidade é o primeiro passo para um progresso saudável. Como disse Célia Xacriabá em um seminário na UFMG: “Um território sem identidade é um território adoecido”.

 

Sander Palmer

Sander Palmer é graduando em Pedagogia pela UFMG, pesquisador e educador social

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