Um convite pra explosão: os espaços de decisão também são nossos

Um convite pra explosão: os espaços de decisão também são nossos

“Nós conseguimos ser 100% representados ou representadas por algo que não parta da gente, de pessoas parecidas conosco?”

Vivo em Pedro Leopoldo, cidade do Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG. Aqui, seguindo a linha do nosso cenário nacional, prefeito e vice são decorativos, bem como familiares têm dedo em muita coisa. Parte grande da população não se vê representada em ações do poder público, parte pequena é participante desses processos de poder e decisão.

Eu tenho perguntado: se você pudesse escolher a pessoa que comandaria a prefeitura, baseando em quem você acha que é mais preparada, quem escolheria? A maioria das pessoas que pergunto tem tido dificuldade para pensar em alguém, boa parte até agora nem me respondeu. Afinal, as pessoas reais do nosso dia a dia, que compartilham da nossa correria, não “tão” se importando muito com isso.

Boto fé que esse problema tem raiz. Certos grupos sociais historicamente foram e ainda são colocados à margem, onde ao invés de serem excluídos, na verdade são incluídos, mas de maneira desigual. Nossa colonização tratou de construir segmentações na sociedade, privando esses grupos de direitos sociais e políticos em favor de outros (ao mesmo tempo que sempre se esforça ao máximo pra dizer que essas divisões não existem).

Esses processos originados na colonização atuam até hoje e fazem os espaços de poder e decisão não terem nossa cara. Por exemplo, Pedro Leopoldo teve somente quatro mulheres como vereadoras em toda sua história (com 249 mandatos), todas brancas, sendo que 51% da população da cidade é composta de mulheres e 60% por pessoas negras.

A real é essa, mudanças vêm acontecendo timidamente, como as últimas eleições para a Assembleia de Minas Gerais, que elegeram as primeiras deputadas estaduais negras da história — salve pra Andréia de Jesus (PSOL), Leninha (PT) e Ana Paula Siqueira (REDE) — porém a esmagadora maioria dos corpos que ocupam cadeiras legislativas e executivas foram e ainda são masculinos, brancos e heterossexuais (este último supostamente).

Mesmo sendo maiorias sociais, 99% acabam tendo que ser representados pelo o 1% e a gente sente como a política fica fraca, não é à toa que boa parte da população tem rejeitado a política institucional. Os espaços de poder e decisão não nos representam porque também não cabem à gente. Por sermos mulheres, negras ou negros, LGBTI+, pobres e/ou pela correria diária, a gente não sente a possibilidade de estar ali, não pensamos nisso e acaba também que nem temos referências pra indicar (afinal, quem de nós anima o tranco?).

E o problema é institucionalizado, uma vez que os próprios espaços de participação popular dentro da política são escassos, com acesso restrito e pouco democráticos. Reuniões do poder público que acontecem somente em horário comercial, audiências públicas com linguagem difícil e nenhum poder de mudança por parte da população, sem contar que muita das vezes não é investida a propaganda devida para esse tipo de evento (como a Audiência sobre o Transporte Público, que a Câmara Municipal nem divulgou faixas pela cidade, como faz com outras audiências).

Ano que vem tem eleições. Os 1% vão continuar falando e decidindo pelos 99%? Gosto muito de uma fala da vereatriz de BH, Cida Falabella, na qual ela lembra que “não há renovação política possível que não venha de baixo”. Nós conseguimos ser 100% representados ou representadas por algo que não parta da gente, de pessoas parecidas conosco?

A experiência da mandata coletiva da Gabinetona é um exemplo bem pertim de uma construção política feita por “gente que veio da onde a gente veio” ¹ que faz a diferença todos os dias nos espaços legislativos com quatro mulheres eleitas. Assim como outras experiências inovadoras, tipo da vereadora Suzane Almada (PT), em Santa Luzia/MG, da deputada Érica Malunguinho (PSOL), em São Paulo e da mandata Juntas (PSOL), composta por 05 mulheres codeputadas na Assembleia Legislativa de Pernambuco e tantas outras.

O que vemos normalmente é que independente de esquerda ou de direita, a relação político-eleitor acontece com os 99% apenas assistindo ao processo. Isso é característica da sectarização, definida pelo educador Paulo Freire ao criticar a prática de se manter em espaços de poder apoiado ou apoiada por seguidores que “não contam nem pesam”, aparecendo no processo apenas “ativistamente”, usadas de suporte para os fins e planos dessa minoria (lembra das 55 ideias?).

A raiz deste problema está na nossa colonização e, então, eu tenho botado muita fé na necessidade de uma descolonização. Voltar cada vez mais pra trás e enxergar como as coisas aconteciam, aqui e em outras culturas. As sociedades também podem ser pensadas à partir da diversidade (de ideias e de corpos). A “monocultura” não é boa para o solo e, também, pode não ser a melhor opção pra construção do país que queremos.

O 1º Seminário “Construindo a Democracia em Pedro Leopoldo”, que rolou recentemente no dia 11/12 e reuniu a comunidade em torno de uma troca de ideia sobre essa falta de representação histórica e colonial, foi um grande pontapé [na porta] de uma coalizão que poderá nos mostrar que as maiorias sociais constroem a cidade e irão buscar reparação. E esse gancho só vai ser dado se for de baixo pra cima.

A política é bem maior que apenas a Câmara e a Prefeitura. A política nas ruas, no dia-a-dia, na comida na mesa, no movimento cultural e nas escolas, mas um dos problemas é justamente a distância daquela política institucional para a política do dia-a-dia. Mas, com 99% “do outro lado da ponte”,³ penso que temos é que começar a ser ponte — um canal que conduz a transformação em nossa comunidade. Somente na nossa participação, coletiva, da forma que é possível, que as pequenas mudanças sociais pra gente podem pelo menos serem verdadeiramente pautadas. Deixo aqui esse convite para explosão⁴.

¹ Itinerário de I.O (part. Djonga) — FBC

² Pedagogia como Prática de Liberdade — Paulo Freire

³ Da Ponte pra Cá — Racionais MC’s

⁴ Convite para explosão — João Paiva MC

 

– Otávio Pereira, educador, parte do coletivo de HIPHOP “White&Black” (@wb_031) e da coletiva “DiverCIDADE – A Pedro Leopoldo Que Queremos” (@divercidadepl) e estudante de pedagogia na UFMG

Coletiva Divercidade

Coletiva de luta, expressão cultural e educação popular, atuando desde 2018 na articulação política em favor dos direitos da população no acesso integral à cidade

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