Desde muito pequeno, Douglas já anunciava o cientista que viria a ser. Sempre muito focado, estudioso e concentrado, ainda criança mostrava que sabia o que queria fazer e onde. “Trabalhou bastante para isso, na graduação ficava mais no “lab”, como gosta de falar, da UFMG do que em casa. Depois veio o mestrado em São Paulo, onde trabalhou com o SARS-CoV-2, inclusive”, testemunha a mãe, Denise Rafael.
Aos 25 anos, Douglas Sales acaba de ser aceito pela Universidade de Oxford, na Inglaterra. A prestigiosa instituição está nos noticiários por sediar o desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19, em parceria com a farmacêutica Astrazêneca, que está sendo testada no Brasil. O pedro-leopoldense – que na verdade, nasceu em Pará de Minas e veio com cinco anos para cá- fez um processo seletivo, conseguiu uma bolsa da instituição e foi aprovado para o Doutorado em Biologia Estrutural.
Tudo começou com um estágio de verão na universidade inglesa, em 2019, quando Douglas viu que o sonho de estar ali era possível. A pandemia de Covid-19, no entanto, atrasou o projeto. Enquanto esperava, ele terminou o mestrado e assim que toda a documentação ficou pronta, literalmente alçou voo.
“Ninguém duvida de que ele ainda vai mais longe”, afirma a mãe, sem esconder o orgulho, que se soma ao do pai Ernani Medina e dos irmãos Rafael e Alexandre. “O coração da gente fica pequeno de saudades, mas ele está tão feliz que a gente só tem que ser feliz com ele e por ele”, completa. Até dois anos atrás, Douglas morava em Pedro Leopoldo. Estudou no Clita Batista e se formou em 2013. A biologia, segundo ele, surgiu em sua vida de forma bastante natural.
“Desde pequeno eu falava que queria ser cientista, mas a ideia só foi tomando forma depois que realizei um curso de uma semana em 2011 na UFMG. Na época eu estava no 1º ano do ensino médio, e nesse curso, os alunos do ensino médio e fundamental de escolas de toda região metropolitana de BH interagiam com os alunos de graduação e pós-graduação da UFMG, realizando alguns experimentos científicos simples. Depois deste curso, tive a certeza que queria cursar Ciências Biológicas e trabalhar com pesquisa”, conta.
Em 2013, Douglas fez o ENEM e foi aprovado em Ciências Biológicas na UFMG. Iniciou o curso em 2014, e já em 2015 começou a trabalhar com pesquisa na própria faculdade – época em que, como disse Denise, não saía do laboratório. “Nesse tempo, trabalhei com veneno de aranha marrom e escorpião amarelo. Essa experiência me fez decidir que queria seguir a carreira acadêmica, fazendo mestrado e doutorado, e continuar na área de pesquisa”, explica.
Em 2018, ele se formou e, seduzido pela palestra de um pesquisador de São Paulo, decidiu que tentaria o Mestrado na área de descoberta de drogas. No ano seguinte, após passar na seleção, foi para São Paulo fazer o mestrado em Microbiologia e Imunologia na UNIFESP. “No primeiro ano trabalhei com descoberta de drogas para Dengue, Zika e Chikungunya. Depois da chegada do Corona Vírus, comecei a testar a eficácia de drogas contra o vírus causador da COVID-19”, revela Douglas.
Ainda durante o mestrado, um pesquisador da Universidade de Oxford lhe perguntou se tinha interesse em tentar o processo seletivo do doutorado. Resultado: está lá, no Reino Unido, desde outubro, estudando proteínas relacionadas com doenças raras. Causadas por mutações no DNA das pessoas, elas afetam uma porcentagem muito pequena da população.
Essas mutações podem fazer com que determinadas proteínas sejam fabricadas de maneira errada no corpo. Muitas proteínas têm funções essenciais no organismo e, quando elas não funcionam direito, podem causar sérios danos. Um exemplo é a Hemofilia: essa mutação faz com que uma das proteínas envolvidas na coagulação do sangue não funcione, afetando todo o organismo. “O foco do meu trabalho é entender o que muda nessas proteínas diferentes e o que poderia ser feito para ela voltar a funcionar”, explica Douglas, que não trabalha com hemofilia, mas sim com doenças pouco conhecidas e estudadas.
“Desde quando comecei a trabalhar na ciência, realizo pesquisas sobre doenças negligenciadas. Comecei trabalhando com veneno de escorpião e aranha (envenenamento por esses animais é considerado doença tropical negligenciada pela OMS), passando pelos vírus da Dengue, Zika e Chikungunya, até chegar em Doenças Raras.
Exemplos de doenças raras são a Síndrome de Bardet-Biedl, que afeta 1 em cada 160 mil nascidos; doença de Huntingtion, que afeta 2,7 pessoas a cada 100 mil; e a Acidemia malômica e metilmalômica combinadas, que foi reportada em menos de 20 pacientes em todo o mundo. Apenas para comparação, a prevalência do câncer é de 198 para cada 100 mil pessoas. “Acho que no fundo eu gosto de trabalhar com doenças negligenciadas por sentir que é uma área que precisa de mais pessoas e mais investimentos, e que eu poderia ajudar no progresso da ciência nesta área”, observa o cientista, que não descarta outros caminhos para suas pesquisas no futuro.
De qualquer maneira, ele sabe que tem um longo caminho pela frente. É uma carreira que tem um início bem complicado, já que trabalhar com pesquisa no Brasil significa viver de bolsa por vários anos. Os pesquisadores trabalham muito e não possuem direitos trabalhistas como férias, 13º salário ou vale refeição. “Apesar de todos os obstáculos, é uma profissão que tem um enorme impacto na sociedade”, defende Douglas.
Viver e estudar na Inglaterra é o ápice – pelo menos por enquanto – de uma trajetória que começou há menos de dois anos, quando ele foi para São Paulo. “Nessa época eu ia o máximo que conseguia pra PL, mais ou menos uma vez por mês, sempre tentando passar um tempo com a família”, diz Douglas. “O que mais gosto em PL é que a cidade é pequena, então o acesso à maior parte das regiões é fácil, além de ter um clima agradável e vários lugares com a culinária boa e tradicional”, destaca.
O fascínio por Pedro Leopoldo encontra sua mais completa tradução na riqueza paleontológica e arqueológica. “Luzia, a Quinta do Sumidouro e toda a riqueza de vegetais fósseis presentes na região, tudo isso tem uma importância gigantesca para a história da humanidade, já que faz parte do cenário onde viveram os primeiros povos no Brasil. Infelizmente esse marco não é valorizado na cidade, que parece não estar ciente da sua importância”, lamenta Douglas.
Sua bolsa em Oxford é integral, ou seja, paga todas as taxas da universidade, além de garantir um salário mensal para cobrir os gastos com moradia, alimentação, lazer. “Eu cheguei aqui no primeiro dia do segundo lockdown, no dia 5 de novembro. Por isso, eu tive que ficar isolado em casa por 14 dias, para evitar transmitir o vírus caso eu o tivesse contraído na viagem”, explica.
Agora o lockdown já acabou, mas ainda existem várias restrições – restaurantes e bares funcionando apenas para entrega, academia e clubes estão fechados e a máscara é obrigatória dentro de qualquer estabelecimento. Dessa vez o governo focou na educação e não fechou escolas nem universidades, elas estão funcionando mas com muitas medidas de segurança. “Aqui também tem negacionistas, acho que em todos os países eles existem. Mas eu não vejo tanta gente desrespeitando as regras de distanciamento e proteção”, observa Douglas.
O Reino Unido iniciou a vacinação de sua população contra a Covid-19 na última terça, dia 8 de dezembro. O país é o primeiro do Ocidente a fazer imunização em massa e o governo britânico decidiu priorizar os idosos, seus cuidadores e profissionais de saúde. A primeira pessoa a receber a vacina da Pfizer e da BioNTech foi uma senhora de 90 anos, Margaret Keenan.
“Todo mundo está bastante ansioso para se vacinar. A vontade de voltar a viver como antes da pandemia aumenta a cada mês de distanciamento que passa. O que eu percebo é que as pessoas aqui não entendem o privilégio que é ter uma vacina aprovada ainda em 2020, estão todos apenas muito ansiosos para que a vacinação comece logo”, conta Douglas. “Ainda não vacinei e, como não sou do grupo de risco, não tenho previsão. Mas a gente espera ter prioridade quando liberarem a vacina desenvolvida pela universidade”, finaliza.