Tem gente marchando em frente aos Tiros de Guerra

Tem gente marchando em frente aos Tiros de Guerra

(Pixabay)

Amigo meu me conta, atordoado, sobre a quantidade de impropérios e ofensas que recebeu da dona do mercado em que ele, há mais de dez anos, faz suas compras semanais de legumes, verduras e frutas. Voto assumido em Lula, ele foi chamado de ladrão, de “cúmprice” e outros adjetivos menos votados – e de português sofrível – nos circuitos verde-amarelos.

Estupefato, ainda ouviu daquela até então simpática senhora ofensas ácidas proferidas contra Janja da Silva – pela qual o presidente eleito reiterou sua paixão em uma avenida Paulista lotada. Com enorme surpresa e justa raiva, meu amigo devolveu os xingamentos, redirecionando-os para a terceira senhora Bolsonaro. Estava instalado o conflito, que tão cedo não será pacificado.

Enquanto isso, em Brasília, outra amiga (e eleitora de Lula) foi chamada de “companheira de bandido” e, mais uma vez – desta vez com o português correto – de “cúmplice de ladrão”. E logo por parte de uma mulher que considerava amiga, gente boníssima que a protegeu com unhas e dentes quando ela chegou, há uma década, na capital federal.

Fico sabendo por um colega jornalista que filhos e filhas foram expulsos – isso mesmo expulsos – de casa por terem votado no Lula. Seguramente por pais zelosos da democracia e da liberdade de expressão, mas para quem o Brasil está acima de todos, inclusive da prole. Não sei por que isso me lembrou aqueles pais que expulsavam suas filhas para uma vida de humilhação e dor, após passos mal dados junto ao primeiro amor… isso não tinha acabado depois que a Globo mostrou que a vida continuava após o fim da virgindade?

O que aconteceu com esse povo, meu Deus?

Há quatro anos, não vi nenhum eleitor de Haddad brigar com os amigos ou com a família, quando o capitão levou a melhor nas urnas eletrônicas. Não vi nenhum petista queimar pneu na estrada ou se pendurar patrioticamente no para-brisa de um caminhão. Não me lembro de ter visto centenas de esquerdistas acampando em frente a um sindicato (ou embaixada da China) pedindo intervenção comunista…e muito menos chamando os amigos de cúmplice (ou “cúmprice”) de rachadinha.

Será que esse tipo de comparação não mostra o ridículo (e mesmo cruel, no caso dos filhos) em que estão incorrendo esses antes simpáticos senhores e senhoras que a gente encontrava na farmácia “ganhando” a losartana cotidiana?

Que tipo de frustração faz com que essas pessoas, reunidas em grupos, lancem mão de camisetas da seleção e bandeiras de camelôs para, assim armados, exigirem golpe militar em frente aos quartéis? Esqueceram que, há 37 anos, nós pedimos a eles que voltassem para lá e para uma vida mais de acordo com suas funções constitucionais? Tem gente marchando em frente aos Tiros de Guerra, como se nossas cidades tivessem virado uma renitente parada de Sete de Setembro. Ou um eterno jogo da seleção.

Diz Freud que tais arroubos coletivos reduzem a inteligência individual. Cada um de nós fica menor, quando faz parte de um grupo que age sem pensar e segue sem objetivo ou destino definido, movido apenas por palavras de ordem. Aliás, alguém aí sabe quem as cria? Pois estes, sim, sabem muito bem aonde querem chegar.

Bianca Alves

Criadora e editora do projeto AQUI PL, é formada em Comunicação Social pela UFMG e trabalhou em publicações como os jornais O Tempo, Pampulha, O Globo; revistas Isto é, Fato Relevante, Sebrae, Mercado Comum e site Os Novos Inconfidentes

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