Todos somos especialistas em tudo, a depender do assunto do momento. Se há um julgamento de repercussão nacional, todos somos juristas, catedráticos em direito constitucional, penal e processual. Também somos doutores em ciência política, sociólogos e historiadores, estrategistas com formação no facebook e no twitter. Agora, com a pandemia do coronavírus, nos tornamos médicos – virologistas, infectologistas, pneumologistas, sanitaristas e muitos outros “istas”, aliás, principalmente, cientistas!!!
No caso do Brasil, temos o “privilégio” de constar em nosso currículo aulas ministradas pelo presidente da república. Sim, Jair Bolsonaro, do alto de sua patente de capitão reformado do exército, está prescrevendo o uso de cloroquina para a população brasileira. Ao que parece, essa droga seria a solução de todos os males da nação, principalmente no que se refere ao sonho dourado de “Seu Jair”: a perpetuação no poder, seja através da esperada reeleição em 2022, seja pela redenção das armas, com um tapete verde e amarelo sobre a rampa do Planalto para que o capitão a suba com poderes absolutos.
Fato é que, ao fazer lobby por um medicamento e exercer ilegalmente a medicina, Jair Bolsonaro encontra uma solução simplista para uma questão por demais complexa. Ao vender a ideia de que a cloroquina é a salvação da lavoura, o presidente, de acordo com os seus devaneios, terá argumentos para que a população esqueça essa história de isolamento social e volte às ruas para trabalhar, consumir e se divertir.
Com a alteração do protocolo do uso da droga, feita por um ministro da saúde interino – general que conhece tanto de medicina quanto eu de física quântica – a cloroquina está liberada, mediante acompanhamento médico, bem como autorização do paciente, para a sua aplicação também em casos leves da doença. Com essa mudança, a ideia é “passar” para a população de que agora em diante ela não corre mais “riscos”. O porteiro do prédio da madame, a faxineira da socialite e o pedreiro da construção civil podem, tranquilamente, pegar o ônibus, o metrô e o trem lotados. Por sua vez, a madame pode ir ao shopping fazer as suas compras, a socialite promover suas festas e eventos e o construtor lucrar feliz com a mais valia do peão.
Comércios abertos, serviços funcionando e a bolsa de valores “bombando”, afinal de contas, o mercado financeiro precisa dos juros altos e dos impostos do orçamento da União para lucrar com os títulos da dívida pública. Ahh, mas e o corona? Não há problema… se pegarmos o maldito vírus, temos a “santa cloroquina”, como bem diz e prega os “memes” da rede bolsonarista de desinformação.
Aliás, há quem defenda a ideia da mudança de nome do país. Ao invés de Brasil chamaríamos “Bolsonaristão” !!! A Constituição seria de uma extrema informalidade, nada de artigos, incisos e parágrafos. O texto constitucional seria em forma de “memes” e “emogis”. Acabaria esse papo de “Estado Democrático de Direito” e “princípios constitucionais”. A letra da lei será a palavra do “mito”. Se estamos doentes, cloroquina na veia. Se o adversário comete um crime, direito penal do inimigo nele. Agora, se o filho do comandante está com problemas “na justiça”, nada que uma nomeação de uma diretoria ou superintendência da Polícia Federal não resolva. Mas e a imprensa? Censura a todo e qualquer comunista.
Fato é que, no “Bolsonaristão”, problemas complexos terão soluções simplistas. Nada de raciocínios e capacidade de reflexão. Chega de ciência e medicina comunista. Filosofia e sociologia nem pensar. No reino do “Bolsonaristão” (nosso país seria uma monarquia, afinal temos o 01, 02 e 03 na linha sucessória) o senso comum das redes sociais trará todas as soluções para todos os nossos problemas.
No caso específico do coronavírus, esqueçam esse papo de medicina preventiva, de teste em massa da população, de abertura de vagas nos hospitais com mais leitos e UTIs para os pacientes. Respiradores para os enfermos e epps para os médicos e enfermeiros também é comunismo. O povo tem que trabalhar com um frasco de cloroquina no bolso. Ponto. Afinal de contas, não é responsabilidade do governo, em época de pandemia, garantir a saúde e o sustento da população, bem como a manutenção mínima da economia do país. Para que serve o Estado, o governo e o presidente da república ou o monarca do Bolsonaristão então, perguntaria o incrédulo comunista… Responderia Jair o grande: “Para apresentar soluções simplistas para questões complexas”. E viva a cloroquina!!!