Diante da gravidade dos fatos, no dia 2 de setembro, Leopoldina convoca o conselho. A opinião é unânime, impossível contemporizar mais um dia sequer. É redigida uma resposta às Cortes, que deve ser sancionada pelo príncipe antes de ser enviada, declarando separados os reinos. Um mensageiro é chamado. Arrebente quantos cavalos forem necessários, mas faça chegar às mãos de dom Pedro, no menor tempo possível, o despacho das Cortes junto com a resposta sugerida pelos conselheiros brasileiros, para que ele a devolva assinada.
Leopoldina manda junto uma carta, que submete à aprovação de Andrada: Pedro, o Brasil está como um vulcão. As Cortes ordenam vossa partida imediatamente, ameaçam-vos e humilham-vos. Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças se partirmos agora para Lisboa… O rei e a rainha de Portugal não são mais reis, não governam mais… o Brasil será em vossas mãos um grande país, o Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já senão apodrece.
José Bonifácio murmura, “ah, se ele fosse ela”. Pede permissão para acrescentar algumas linhas. “Aconselho Vossa Alteza que fique e faça do Brasil um reino feliz e separado de Portugal que é hoje escravo da Cortes despóticas. Senhor, ninguém mais que vossa esposa deseja vossa felicidade, e ela vos diz, em carta que será entregue com esta, que Vossa Alteza deve ficar. Se não ficar correrão rios de sangue nesta grande e nobre terra, tão querida de vosso real pai que já não governa em Portugal.
Parte o mensageiro, nada há a fazer senão suportar com paciência a longa espera. Mal parando para dormir, Leopoldina calcula, trocando cavalos com frequência, no mínimo uns seis dias até que as cartas cheguem ao destino, outros tantos para vir a resposta.
Finalmente retorna o mensageiro.
— Alteza. Que cena! Encontrei a comitiva na estrada. O padre Belchior pegou a bolsa com a correspondência e levou para dom Pedro que não estava à vista. Pouco depois o príncipe apareceu brabo resmungando “eles vão ver do que é capaz o rapazinho”. Então relatou à escolta o que tinha acabado de ler e, dizendo que não era mais possível escravizarem-se a Portugal, montou, arrancou do braço o laço azul das Cortes, puxou da espada e gritou: “Independência ou morte!” Não me faltará nunca o que contar a meus filhos e netos.
— E dom Pedro, onde está dom Pedro? a regente quer saber.
— Correu a São Paulo a dar a notícia, em seguida volta para casa. Com a pressa que tinha não me surpreenderia se chegasse amanhã ou depois.
No dia 15 de setembro, no Rio de Janeiro, há várias noites ardendo em luminárias que contornam a silhueta de cada prédio, do mais modesto ao mais rico, Pedro e Leopoldina chegam triunfalmente ao teatro usando galões e plumas nas novas cores nacionais, verde da casa de Bragança e o amarelo dos Habsburgo, aliança dinástica que gerou o novo país.
Muito mais tarde, excitados demais para dormir, os esposos conversam no quarto de Leopoldina, que quer ouvir cada detalhe, onde estava e o que disse cada um, qual foi a reação dos paulistas ao saberem da grande nova.
— O pior foi a situação em que me pegou o mensageiro. Eu vinha voltando de Santos e me deu uma caganeira. Estava de calças arriadas, atrás de uma moita, perto de um riacho chamado Ipiranga, quando o padre Belchior me mostrou cartas e despachos dizendo que eram urgentes. Fazer o quê? Pedi ao padre que não fizesse conta do mau cheiro, fosse lendo para mim, sem perda de tempo, já que eu estava impossibilitado.
— Pedro! Acabas de fundar um país, e me vens com tuas porcarias!
— Porcarias? Francamente, não te entendo. Querias saber tudo, tim-tim-por-tim-tim, e, quando conto, vens com essa cara feia.
— Está bem, fala como quiseres, mas conta logo.
Madrugada adentro o casal conversa…
(Leopoldina e Pedro I – a vida privada na corte, editora Ibis Libris)