Um artigo de Vanina Costa Dias*
Hoje em dia o que mais se observa em diversos espaços é crianças e adolescentes imersos em um mundo digital, no qual os dispositivos eletrônicos, especialmente os celulares, fazem parte de sua realidade cotidiana. Este fenômeno está relacionado ao conceito de “nativos digitais”, cunhado pelo educador americano Marc Prensky (2001), que descreve uma geração que cresceu cercada por tecnologias digitais e que possui uma relação intuitiva e imediata com esses dispositivos. No entanto, o uso constante dos celulares no dia a dia desses jovens tem gerado debates sobre suas implicações para o desenvolvimento psíquico e social, especialmente no contexto escolar, levando a medidas legislativas que proíbem seu uso em sala de aula.
A proibição do uso de celulares nas escolas tem sido justificada por diversos fatores, incluindo a distração durante as atividades pedagógicas, a exposição precoce a conteúdos inadequados e o impacto negativo na socialização presencial. No Brasil, foi implementada uma lei que restringe o uso de telas em ambientes escolares, buscando garantir um aprendizado mais focado e evitar prejuízos cognitivos associados ao uso excessivo da tecnologia.
A Lei 15.100, de 13 de janeiro de 2025, estabelece a proibição do uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos nas escolas em todo o território nacional. Contudo, essa medida suscita questionamentos sobre seus efeitos na subjetividade das crianças e adolescentes.
A relação das crianças com os dispositivos eletrônicos pode ser compreendida como um elemento estruturante do desenvolvimento psíquico. Sigmund Freud, ao discutir os mecanismos de formação do eu e da realidade psíquica, ressaltou a importância dos objetos de investimento libidinal na construção do psiquismo.
O celular, nesse contexto, pode funcionar como um objeto transicional (Winnicott, 1953), mediando experiências de segurança e controle do ambiente. Contudo, um uso excessivo pode levar à formação de uma dependência psíquica que dificulta o desenvolvimento da autonomia emocional e social.
Além disso, a interdição do uso do celular na escola pode ser compreendida como uma tentativa de introduzir um limite simbólico essencial para a estruturação psíquica. O estabelecimento de interdições é fundamental para a constituição do sujeito e sua entrada na ordem simbólica. A proibição das telas na escola pode representar um momento de separação entre a criança e o objeto tecnológico, permitindo a construção de novas formas de relação com o saber, com os pares e com a autoridade escolar.
Entretanto, a Lei 15.100 adota uma abordagem rígida e generalizante, desconsiderando nuances fundamentais da relação dos nativos digitais com a tecnologia. Ao proibir indiscriminadamente o uso de celulares, a lei não diferencia o uso recreativo do uso pedagógico, impossibilitando estratégias que poderiam integrar a tecnologia ao ensino de maneira produtiva. Além disso, a medida não leva em conta que a aprendizagem dos jovens de hoje ocorre, em grande parte, por meio da interatividade digital, e sua completa interdição pode gerar alienação e desmotivação no ambiente escolar.
A proibição pura e simples ignora ainda que a mediação do uso da tecnologia é mais eficaz do que a repressão. Em vez de apenas vetar o uso de celulares, seria mais produtivo estabelecer diretrizes que incentivem seu uso consciente e educativo, preparando os alunos para uma realidade digital inevitável. A interdição deve vir acompanhada de um espaço simbólico para a elaboração do desejo e da pulsão relacionados à tecnologia. Se a escola se coloca apenas como uma instituição repressora, em vez de mediadora, corre o risco de perder sua relevância na formação desses sujeitos.
Podemos dizer que a relação dos nativos digitais com os celulares envolve aspectos psíquicos profundos que não podem ser ignorados ao se discutir legislações que regulam seu uso. Numa perspectiva psicológica podemos dizer que a interdição pode desempenhar um papel estruturante, mas alerta para os riscos de uma proibição inflexível, que desconsidera a inserção definitiva da tecnologia no cotidiano das novas gerações.
Assim, a Lei 15.100, ao invés de proporcionar um avanço pedagógico, pode representar um retrocesso, pois desconsidera a necessidade de adaptação das escolas às novas dinâmicas sociais e cognitivas. Um debate mais amplo e equilibrado sobre o tema é essencial para a formulação de políticas educacionais que atendam às demandas contemporâneas sem desconsiderar os desafios psíquicos implicados.
*Vanina Costa Dias é psicóloga e Doutora em Psicologia
Professora e Procuradora Institucional da Faculdade Pedro Leopoldo