Em memória de Paulo Ribeiro, que se encantou com nossa natureza

Em memória de Paulo Ribeiro, que se encantou com nossa natureza

Paulo Ribeiro, então presidente da TV Minas, com a secretária de Cultura Berenice Menegale, em 1995

Nos meses finais de 2020, a pandemia parecia arrefecer. Naquele momento, não sabíamos que seus piores momentos ainda estavam por vir. Em setembro, recebi a visita, lá no Matuto, do grande amigo Paulo Ribeiro, ex-presidente da TV Minas e da TVE Brasil, sobrinho e colega de trabalho de um dos maiores brasileiros que já existiram, o antropólogo Darcy Ribeiro. Paulinho, como o chamávamos, era então secretário de Meio Ambiente de Montes Claros, onde nasceu e lutava contra um câncer, que o levou em abril de 2021.

Sendo o responsável pelo meio ambiente em uma região árida, de cerrado e caatinga, Paulinho ficou encantado com os nossos lados. Ao seguir pelo entorno da Fazenda Modelo, não economizou elogios à beleza natural da nossa região e seu potencial para se tornar local de convivência e atrativo para quem nos visitasse. “Nossa, que belíssimo parque poderia ser implantado aqui, heim, Bianca?”, admirou-se, com os olhos brilhantes dos verdadeiros amigos da natureza.

Menino de coração verde, como o definiu o músico Tino Gomes, Paulinho levava meio ambiente muito a sério e há muito tempo. Suas realizações como gestor municipal da área mostram que é possível preservar o ambiente com medidas simples a partir das cidades, onde a vida ainda se mostra em forma de fauna, flora, terra, solo,água, enfim, como natureza bem próxima das pessoas.

Não foi pouca coisa o que ele fez pelo planeta. Tudo começou há quarenta anos, quando ele saiu de Montes Claros rumo ao Rio de Janeiro, para trabalhar com o tio Darcy, então vice-governador no primeiro mandato de Leonel Brizola e idealizador dos CIEPs, os revolucionários centros de educação integral. E com apenas 20 anos, Paulinho foi o catalizador da luta pelo tombamento de todas as praias do Rio de Janeiro, medida que as protegeu da especulação imobiliária, além de preservar a vegetação e os animais da Mata Atlântica.

“A extensão do tombamento vai da Praia de Grumari até Paraty e Trindade, pelo litoral sul; e por Búzios, Cabo Frio, manguezais de Campos, pelo litoral norte”, registrou Ucho Ribeiro, irmão de Paulinho.

Como secretário municipal de Meio Ambiente, Paulo Ribeiro implementou vários projetos inovadores em Montes Claros. Um deles é o “Ecocrédito”, uma carta de crédito concedida a pequenos proprietários rurais que cercam e protegem nascentes, cujo valor pode ser descontado no pagamento de tributos municipais e até na compra de insumos no comércio local. Transformando produtores rurais em ambientalistas, a iniciativa serviu como modelo para vários municípios brasileiros.

Guerreiro, criativo e corajoso, Paulinho foi um dos responsáveis pela articulação que resultou na criação do Parque Estadual da Lapa Grande em 2006. Próximo a Montes Claros, é um dos maiores parques estaduais em área urbana no país, com 7 mil hectares de extensão, onde estão preservadas importantes grutas e nascentes. E estava também na linha de frente da luta pelo reconhecimento do Parque das Cavernas do Peruaçu como patrimônio cultural e natural da humanidade, pela Unesco.

Divulgação/Fabio Marçal

Nos últimos quatro anos de sua vida, Paulinho, como secretário municipal de meio ambiente, liderou a criação de cinco parques florestais no perímetro urbano de sua cidade natal: Sagarana, Canelas, Belvedere, Mangues e Jardim Olimpo. O Parque Sagarana, por exemplo, se transformou num verdadeiro museu a céu aberto, recebendo obras de arte doadas por artistas e admiradores. O projeto “Vale verde” garantiu ônibus de graça para visitar os parques e o “Onda verde” levou acesso gratuito à internet nas áreas verdes da cidade.

Nas praças, aliás, mais uma ideia fantástica. Saiu da cabeça de Paulinho o projeto Jardim de Borboletas, com belíssimas esculturas homenageando as mulheres que se destacaram na história de Montes Claros. Aproveitando sucatas, as borboletas gigantes foram feitas por egressos do sistema prisional e pessoas em situação de rua, sob a supervisão de um artista plástico da cidade.

Divulgação/Fábio Marçal

Com iniciativas como essas, Paulinho mostrou que as cidades podem proteger e preservar seu meio ambiente. Como ele mesmo me disse, cuidar do meio ambiente é pensar no coletivo, em todas as pessoas, no direito que têm não só a uma cidade mais agradável, mais bonita, mas também garantir qualidade de vida para quem virá depois de nós. Para termos a sombra de uma árvore, temos que proteger essa árvore. Para abrir a torneira e a água sair, temos que preservar as florestas e os rios que abastecem a nossa cidade.

 

Enfim, é preciso ter um projeto para o futuro que Pedro Leopoldo, prestes a completar 100 anos, deveria adotar: sete vezes menor do que Montes Claros, poderia ter muito mais parques, entre eles o da Fazenda Modelo e o da Fábrica de Tecidos, integrado ao Capão. PL poderia ser uma cidade muito mais limpa, gerando pouco lixo, se aqui instalássemos, como política pública prioritária, um programa concreto de coleta seletiva e reciclagem de resíduos – que aliás, poderia economizar boa parte do dinheiro que gastamos para enterrá-los em Sabará.

 

Se tivéssemos um projeto de paisagismo, poderíamos arborizar a cidade, ao invés de derrubar árvores sem substituí-las, o que transformou nossos passeios em canteiros de tocos fincados em buracos. Com muitas árvores sobre nossas cabeças, poderíamos enfrentar o El Niño, que promete, para os próximos cinco anos, o maior calor já enfrentado pela nossa geração, além de inevitáveis catástrofes climáticas.

 

Meio ambiente é uma pauta importante, que frequenta as mais poderosas agendas internacionais do nosso tempo. Nas cidades, porém, e num processo estranho de negação, as pessoas se esquecem cada vez mais da importância de preservar a paisagem e os recursos naturais. Num mundo filtrado por telas azuis, elas não abrem mão de cenários instagramáticos e de falsos ambientes, esquecendo como é bom viver em um lugar como Pedro Leopoldo, que tem tudo para nos fazer mais felizes. E trazer para cá gente que venha empreender e produzir, atraída pelos mesmos encantos que arrebataram meu amigo Paulinho.

 

Bianca Alves

Criadora e editora do projeto AQUI PL, é formada em Comunicação Social pela UFMG e trabalhou em publicações como os jornais O Tempo, Pampulha, O Globo; revistas Isto é, Fato Relevante, Sebrae, Mercado Comum e site Os Novos Inconfidentes

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