Uma velha lenda local diz que, em qualquer lugar do mundo, você encontra um pedro-leopoldense. Muitos em posição de destaque e algumas bastante inusitadas, como é o caso de Fabiano Nogueira Correia, o Coruja, que está na equipe de produção do filme mineiro “Democracia em Vertigem”, da cineasta Petra Costa, indicado ao Oscar de melhor documentário.
Aos 36 anos, Fabiano é filho de Ana Lúcia e Paulo César e neto da saudosa Dona Vanda Nogueira. Designer gráfico, se especializou em direção de cinema e efeitos visuais, além de ser baterista com passagem por vários gêneros, inclusive heavy metal. Através de sua empresa Maionoise, especializada em conteúdos digitais para audiovisual, ele trabalhou na equipe de pós-produção do filme, na área de legendas e letterings.
A indicação ao maior prêmio do cinema é vista por Fabiano como “importante para a cultura e a política brasileiras”. Em entrevista ao AQUI PL, o pedro-leopoldense, que não estará na festa em Los Angeles, destacou o envolvimento com o tema da cineasta e de sua família, com quem conviveu durante o trabalho: “é um laço histórico, a Petra é filha de militantes e vinha montando o filme desde o impeachment da Dilma”.
O anúncio dos indicados ao Oscar deste ano foi feito na manhã desta segunda-feira (13/01). O documentário brasileiro disputa o prêmio no dia 9 de fevereiro com American Factory (USA), de Julia Reichert e Steven Bognar; The Cave (USA), de Bruce Hunt; For Sama (USA), de Waad Al-Kateab e Edward Watts; e Honeyland (Macedônia), de Tamara Kotevska e Ljubo Stefanov.
Uma indicação anunciada
O texto abaixo foi escrito por mim em junho de 2019, para o site Os Novos Inconfidentes e já previa a trajetória vitoriosa do filme:
Narrada por mineira, versão petista do impeachment ganha o mundo
A história é sempre escrita pelos vencedores, diz a frase atribuída a George Orwell. No documentário Democracia em Vertigem, a mineira Petra Costa narra, com sua própria voz, a versão dos que não venceram. O lado de Lula, de Dilma, do PT enfim, cujas razões e motivos foram sufocadas pela versão única abraçada pela grande mídia e pela metade do Brasil que comprou o “nunca antes nesse país se roubou tanto”.
Uma metade que, ao lado da outra, aparece com clareza nas cenas que compõem o eixo fundamental do filme, que é o impeachment de Dilma. A cerca erguida no gramado em frente ao Congresso para separar os “a favor” e os “contra” a deposição da presidente ainda é o retrato mais revelador da profunda divisão que o país começava a viver. São metades que brigam entre si, enquanto os políticos fazem tenebrosas transações como a de Romero Jucá e Sérgio Machado em torno da ascensão de Michel Temer, ou as de Eduardo Cunha que conduziram à queda de Dilma por “ridículas pedaladas fiscais”, como define José Eduardo Cardoso na Câmara. Ou ainda as conversas gravadas entre Aécio e Joesley Batista.
Aos 35 anos, a cineasta deu o primeiro voto para Lula em 2002 e sua família filmou o evento. Aliás, na obra de Petra, são muitos os filmes de família que se ligam a grandes momentos da história política recente do Brasil. Talvez por ser egressa da elite, seus passos são filmados, mesmo em um tempo distante das câmeras de celular. Filha de pais de esquerda – o ex-deputado Manoel Costa e a jornalista e socióloga Marília Andrade – a mineira Petra é neta de um dos fundadores da Construtora Andrade Gutierrez e até meio aparentada com Aécio Neves.
Embalados pela voz da cineasta, acompanhamos sua observação da história desde criança, em que o ativismo dos pais contra a ditadura se entrelaça com a ascensão de Lula, as sucessivas candidaturas derrotadas à presidência, a gestão que transforma o Brasil na sexta economia mundial e coloca o presidente petista ao lado dos maiores do seu tempo como Obama, Kofi Anan, a rainha Elizabeth II. Como fatos bem encadeados, vemos Lula deixando o governo com mais de 80% de aprovação e escolhendo sua sucessora, como consequência natural de um projeto que tirou milhões da miséria e proporcionou uma mobilidade social até então inexistente na sociedade brasileira.
Esse cenário cor de rosa tem uma interrupção abrupta. As manifestações de junho de 2013 iniciam o processo que iria ter seu ápice no impeachment de Dilma. Os diálogos com a ex-presidente são um dos pontos altos do filme: mostram uma mulher tranquila, preparada, articulada – o contrário da imagem que lhe atribuíram as falas desconexas que alimentaram as redes sociais. Ela fala sobre se sentir em “O processo”, de Kafka, ao contrário do Kafta do atual ministro da Educação e se encontra com a mãe de Petra – que estudou na mesma escola e foi presa no mesmo presídio Tiradentes.
O filme passa por São Bernardo, nas horas que antecedem a prisão de Lula no sindicato dos metalúrgicos, mostrando de perto sua emoção diante da massa que não quer que ele se entregue. Essas são também as cenas iniciais do filme, que termina com os primeiros dias de Bolsonaro na presidência e um importante registro nos créditos finais: Sérgio Moro, o juiz que condenou Lula, é nomeado ministro da Justiça do novo governo.
Petra apenas pincela o mensalão e as denúncias de corrupção contra o PT e Lula. E é bobagem cobrar que ela seja isenta – como um juiz tem que ser – e mostre o outro lado, o dos vencedores. Isso a Veja e a Globo já fizeram nos últimos cinco anos, ao acompanhar com estardalhaço as convicções da Lava Jato. Com seu filme, Petra mostra uma única visão: a dos perdedores. Que, no entanto, é a que está ganhando o mundo.
“Um documentário absolutamente vital”, escreveu o The New York Times, abrindo uma enorme lista de elogios. Democracia em Vertigem estreou na Netflix no dia 19 de junho, na esteira de um enorme sucesso em importantes festivais e não duvidem que venha a ser candidato a melhor filme estrangeiro, documentário ou até mesmo melhor filme no Oscar do ano que vem.
Não se surpreendam se ele ganhar. Afinal, esta é uma história que ainda está sendo contada.