O que têm em comum, além do talento, os pedro-leopoldenses Carol Malaquias e Jegão? São músicos, são talentosos, mas são principalmente generosos. Um sábio disse que conhecimento é uma moeda que se multiplica: quanto mais você distribui, mais seus bolsos estão cheios. E, na música em que Carol e Jegão, cada um a seu modo, surfam com maestria, também é assim.
No recém-encerrado Festival de Luz, as duas grandes estrelas foram eles. E olha que a concorrência foi pesada, pois o show principal era do Lenine. Não falo isso porque eles arrastam multidões, mas porque Carol e Jegão associam uma outra emoção àquelas que nos envolvem quando ouvimos boa música. Eles nos enchem de orgulho, por nos mostrarem quão longe podemos ir e como é linda essa estrada da arte, que passa na nossa frente.
Todo mundo conhece as histórias desses dois. Carol faz música desde menina, é uma grande saxofonista, mas se encontrou na regência. É doutora pela UFMG e assumiu nossa centenária banda Cachoeira Grande, que hoje, além de abrilhantar nossas festividades tradicionais, executa concertos magistrais, faz parceria com a Filarmônica de Minas Gerais, ou seja, segue no caminho da genialidade.
Ali pululam histórias de superação e transformação, de gente que se torna agente do próprio destino. Como a Kátia Sant Ana que, perto dos 30 anos, decidiu que queria tocar violino. Ganhou um do marido e admirador André, procurou a banda, aprendeu as primeiras notas e, doze anos depois, toca em tudo quanto é lugar e vive do que ama.
Já o Jegão, o Wuhegthon Júnior, era um enfant terrible nos primeiros tempos da informática em uma de nossas cimenteiras, quando ganhou um concurso de design industrial e foi mandado para desenvolver a parte gráfica do grupo na Suiça. Era 1989 e ele acabou sendo contratado, ficando por lá durante cinco anos. Já gostava de heavy metal, mas conheceu um disco/filme emblemático e antológico, The Commitments, filme de Alan Parker que assistimos aqui com o nome de Loucos pela fama.
Nele, um misto de empreendedor/empresário quer levar a Soul Music para Dublin, na Irlanda. Ele forma a banda “The Commitments”, com músicos inexperientes e um cantor egocêntrico. Após alcançarem certa fama, os desentendimentos começam a aparecer. A história é uma delícia e merece ser vista, mas isso é assunto para outra resenha.
E não é que o Jegão volta para o Brasil querendo montar uma banda de soul em Pedro Leopoldo? E mais: não é que ele, naquele final dos anos 90, conseguiu seduzir os melhores músicos da cidade para realizar seu sonho e fundar a banda The Souldiers? De repente, uma revolução e aquele pessoal que defendia bravamente Garota Nacional e Mamonas Assassinas, ou era cooptado pela invasão das primeiras duplas sertanejas nos bailes da vida, passou a tirar de letra as partituras do melhor do soul, do rock e até do jazz.
E as backing vocals, gente? Carregando o indefectível vestidinho preto da música do Skank, tornaram-se divas como Iolanda Miranda, Daniela Gabrich, entre várias outras. E você acha que elas ficavam só no apoio? De jeito nenhum: sob a batuta imaginária do Jegão, libertaram o vozeirão e, com holofote em cima, emocionaram gerações cantando hits como A Natural woman ou Freedom (ambas de Aretha Fraklin, aliás).
Resultado: graças a Carol e Jegão, hoje boa parte dos músicos locais, vaidades à parte, fazem o dever de casa, tocando os pops e funks obrigatórios para embalar multidões, mas não fazem feio nos arranjos para as melhores músicas que já foram compostas no mundo, sejam elas de Aretha, Wilson Picket, Luiz Gonzaga, Elvis, Beatles ou Milton Nascimento, Chico Buarque ou Beethoven. É muita música para uma cidade tão miudinha, né? Mas podia ter muito mais
Carol e Jegão, ao mesmo tempo em que emocionam as gerações que estão indo ver seus shows, ao longo dessa trajetória doaram seus conhecimentos e fizeram escola. Uma escola que podia ser uma universidade para todas as artes: para além da música, Pedro Leopoldo podia ter carols e jegões para ensinar nossos jovens a atuar, pintar, escrever, dançar e tantas outras novas artes que hoje surgem por aí.
Fica aí uma ideia para a Prefeitura e empresas como a Suprema, Pruftechnik MGS e Blink, que patrocinaram o Festival de Luz, levarem adiante: a Casa das Artes de Pedro Leopoldo, para onde acorrerão todos aqueles jovens que querem fazer da arte seu objetivo de vida. E precisam começar em algum lugar. Um dia, quem sabe, eles não serão os novos jegões e carols, encantando o público local em festivais e distribuindo o conhecimento acumulado? Aquela moeda genial, lembram?