Já odiei salpicão com todas as minhas forças. Ou, pelo menos, um certo tipo de salpicão. Tal sentimento tem origem nas minhas andanças como repórter, quando, volta e meia, me via nos nortes de Minas, em especial nos vales do Jequitinhonha e Mucuri. Ali, frequentemente, era convidada a almoçar por famílias de todas as condições sociais. Na refeição, elas me ofereciam bem mais do que a comida, que chegava à mesa acompanhada de simpatia e acolhimento.
Na minha experiência, em tais lugares a escassez costuma ser diretamente proporcional ao sabor da comida na mesa. E dá-lhe o franguinho magro que, minutos antes, ciscava no quintal, e, mergulhando no prato, tomava gosto de lembrança boa; o feijão andu envolvido em farinha e toucinho defumado, o tomate rubro das poucas hortas em pouco sol e até mesmo a batata frita em banha de porco, com uma textura que só os chefs mais estrelados conseguiriam reproduzir com alguma fidelidade.
Pois bem. Certa feita, numa dessas viagens, sou convidada a almoçar na casa de um político, conhecido por sua habilidade em receber – daí inclusive vinha boa parte dos votos que lhe garantiam, até então, mais de duas décadas no cargo. A dona da casa se esmerou, vestindo a mesa com a melhor toalha de renda e suas louças mais impecáveis. Tanta boniteza me atiçou e aqueceu… afinal, prenunciava o delicioso franguinho, ou quem sabe, uma costelinha com nacos de milho verde. Talvez uma barriga de porco estalando qual torresmo. Não custava sonhar, né?
Qual não foi a minha surpresa – e visível decepção – quando vi tomar a mesa o maldito salpicão, última novidade nas melhores cozinhas sertanejas. Orgulhosa, a esposa do parlamentar me apresentou o prato em que algum pedaço congelado de frango se aglomerava a ervilhas e milhos em lata, presuntos, azeitonas, salsichas e muita maionese. Misturadas à gororoba, jaziam aquelas batatas palhas que, tenho certeza, são fritas em óleo diesel.
Comi, claro. Mas com aquela infinita tristeza das coisas e das oportunidades perdidas. Como aquela coisa tinha ganho o caminho do sertão? E ocupado, com sua opulência enlatada, o lugar das coisas simples e, por isso mesmo, maravilhosas?
Só que, para quem não sabe, a Terra é redonda e gira em torno do sol. De lá para cá, uma longa trajetória junto aos salpicões suavizou a revolta e até mesmo promoveu a reabilitação daquele que, se não considero uma iguaria, hoje é indispensável em datas emblemáticas, especialmente o Natal.
A receita, naturalmente, teve adaptações de um mundo em constante evolução… e das exigências que, acredito, devem ter chegado também à casa do tal político e seus descendentes. Hoje, faço o salpicão com carinho e muitas ressalvas.
Para começar, o frango tem que ser peito e comprado como tal, de preferência fresco e com pele. Deve ser cozido em temperos que lhe proporcionem o melhor sabor possível e gerar uma redução de caldo que, esta sim, fará o sabor do salpicão. A pele aí será descartada, mas, se o colesterol estiver em dia, pode ser batida em liquidificador e fazer parte do caldo.
Voltemos à receita. Junto à carne, se amalgamam cenouras e vagens cortadas finas e branqueadas, maionese de boa qualidade e, por que não, algumas colheres de creme de leite e passas. Afinal, é Natal! Por cima, sem se misturar, reina a batata palha, feita em casa e frita em óleo de girassol.
Fica muito bom. Mas, sinceramente, muito longe daquele sabor de gentileza que o franguinho ensopado dos quintais do Jequitinhonha oferecia naqueles tempos. E que, gerando saudade, nos instigava a voltar. No mais, Feliz Natal. Com salpicão…. mas chester, nunca!