A história de Pedro Leopoldo, que contamos na Internet – capítulo I: década de 1920

A história de Pedro Leopoldo, que contamos na Internet – capítulo I: década de 1920

A rua Herbster era o centro político, econômico e cultural de Pedro Leopoldo, em 1920. De terno, com a  mão no bolso, o Coronel Juca Belisário
Na foto com a mesma perspectiva, a rua Herbster é assim em 2020. Nela permanecem registros do início da cidade como a Casa Issa e o grupo São José

Pedro Leopoldo está quase fazendo cem anos de emancipação, data que será comemorada daqui a quatro anos, em 2024. Neste 27 de janeiro de 2020, festejamos os 96 anos da cidade, mas seus registros remontam há muito mais tempo. A ocupação humana na região começou há mais de doze mil anos, como comprovou a descoberta do fóssil de Luzia, a primeira brasileira, no sítio arqueológico denominado Lapa Vermelha IV, entre Pedro Leopoldo e Confins.

Casa de Fernão Dias, na Quinta do Sumidouro, antes de ser reformada

 

Só para ter um exemplo, em terras do município, mais precisamente na Quinta do Sumidouro, está a terceira igreja mais antiga de Minas, a capela de Nossa Senhora do Rosário, erguida pelo bandeirante Fernão Dias, quando aqui morou por volta de 1694. Mais antigas que ela apenas a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Matias Cardoso, de 1670 e a de Nossa Senhora do Rosário, em Brejo do Amparo, distrito de Januária, que foi construída em 1688. Outros registros pedro-leopoldenses muito antigos são o Quilombo do Pimentel, com 250 anos, e o distrito de Vera Cruz de Minas, que existe há mais de 300 anos.

Fazenda da Jaguara, em foto de 1877

Ao contrário de outras cidades mineiras, que nasceram e cresceram sob os auspícios do ciclo do Ouro, aqui a economia se desenvolveu em torno das fazendas que abasteciam áreas mineradoras do centro do estado. Caso por exemplo da Fazenda da Jaguara, que foi a maior da região com 600 alqueires (e 700 escravos) e teve seu vínculo decretado por Dona Maria I no final do século XVIII.

Algum tempo depois, no início dos anos 1.800, a região recebeu a visita do naturalista dinamarquês Peter Lund, que pesquisou o importante patrimônio arqueológico do chamado Carste de Lagoa Santa.

 

A cidade encontra sua primeira vocação econômica

E é no final do século XIX que a cidade encontra a vocação econômica com a qual atravessaria boa parte do século seguinte – nossas origens estão ligadas à instalação da Fábrica de Tecidos e da estrada de ferro para transportar sua produção. Ao redor da nossa primeira indústria, a Fábrica de Tecidos Cachoeira Grande, nasceria e cresceria a cidade de Pedro Leopoldo. E na fábrica foi tecida a trama cultural e emocional de uma cidade que acordava, comia e dormia obedecendo ao apito que marcava seus turnos de trabalho.

O empreendimento idealizado por Antônio Alves Ferreira da Silva aproveitou a força motriz da Cachoeira Grande, que dava o nome à localidade, para mover suas máquinas. A fábrica abriu suas portas em 1895 e, em 1920,foi  incorporada à Companhia Industrial Belo Horizonte. Também em 1895 foi inaugurada a estação de trem, que recebeu o nome do engenheiro da Estrada de Ferro Central do Brasil, Pedro Leopoldo da Silveira, responsável pela construção da ferrovia. Ele morrera um ano antes, em Sabará, sem conhecer a vila à qual acabaria por dar seu nome.

Estação ferroviária, em foto de 1911

O recorte escolhido pelo site AQUI PL para contar a história de nossa cidade tem início em 1920, quatro anos antes da emancipação, quando Pedro Leopoldo era parte do distrito de Matozinhos que, por sua vez, pertencia a Santa Luzia. Era então uma pequena vila que tinha pouco mais de seis mil habitantes na sede e na zona rural. Era pequena mesmo, tinha menos de vinte vendas e dez bares. Em compensação, abrigava três hotéis e um cinema (o cine Otoni), único aspecto em que continua a mesma até hoje.

Fábrica de Tecidos

A sede compreendia duas áreas distintas: uma com meia dúzia de ruas e a área da fábrica, com o Quadro, um amplo retângulo gramado, limitado pela própria fábrica e por um corredor de casas operárias, a rua do Pasto. Ambas as áreas tinham ruas batizadas pelo povo com nomes engraçados e eficientes, como rua do Quebra Nariz, rua Cai Nágua – que morria no ribeirão da Mata – rua da Cadeia, rua do Mata Burro. As famílias mais abonadas tinham casas bonitas na região próxima à fábrica, na praça que posteriormente ganhou o nome de Dr. Senra. A cidade não tinha calçamento e ruas como a São Sebastião “eram um brejo, onde morava o povo pobre”.

Palavras do maior escritor da cidade, José Issa Filho, que gostava de dizer, até sua morte em 2015, que era mais velho que a cidade – ele nasceu em 12 de abril de 1923, portanto nove meses antes da emancipação. “Muita gente foi aparecendo no lugar e o povoado foi se formando com ruas descalças, vendinhas de uma porta só, cheirando a rapadura e querosene, pequenas casas com telhado de duas águas, uma capela, cercas de pau-a-pique ou de bambu enfeitadas de melão-de-são-caetano. Em seguida, e aos poucos, foram aparecendo os comerciantes árabes”, escreveu ele em seu livro “Memória Histórica de Pedro Leopoldo”.

Casarão da família Daher, na rua Herbster (1915) – ilustração Jucilene Martins

Ele se refere a um dos primeiros comércios da cidade, a Casa Issa, que abriu suas portas em 1910, tendo como donos os irmãos João e José Issa, pai do escritor. A loja, que mais de 100 anos depois, ocupa prédio moderno na rua Herbster, foi inicialmente instalada em frente à Estação Ferroviária, ponto onde a cidade fervilhava. Não era prá menos: ali se chegava e ali se partia de Pedro Leopoldo. Também ali parava o bondinho da Fábrica de Tecidos, levando e trazendo funcionários e, naturalmente, tecidos. Um ano especial o de 1910, quando foi fundado o grupo São José e nascia na cidade o médium Chico Xavier.

Começam as movimentações para emancipar PL

Mas voltando a 1923, foi neste ano que os chefes políticos locais – Romero Carvalho (guarda-livros da fábrica e sócio do armazém Alves e Carvalho), Ottoni Alves Ferreira (gerente da companhia), Amando Belisário Filho e José Belisário Viana – começaram a se movimentar para conseguir a elevação da vila a distrito. Até 1930, durante a República Velha, havia apenas um partido político no estado, o Partido Republicano Mineiro (PRM) – só para ter uma ideia de como o universo político se ampliou, hoje são 33. O agente executivo municipal, que tinha as atribuições do atual prefeito, era o presidente da câmara de vereadores.

Dr. Rivadávia Gusmão

Os nomes dos primeiros políticos são familiares, afinal batizam ruas conhecidas da cidade. Assim como os dos primeiros médicos, filhos das famílias mais poderosas da cidade: os Alves e Carvalho do armazém. Foram eles os doutores José de Azevedo Carvalho (Dr. Zezé) e Cristiano Otoni Gonçalves Ferreira. Junto ao Dr. Rivadávia Versiani Murta de Gusmão, iniciaram em 1923 a campanha para a construção de um hospital – ano de criação do município, que se emanciparia no início do ano seguinte.

Fazenda Modelo

1924 começou com a realização da I Exposição Agropecuária do Ministério da Agricultura, no dia 6 de janeiro. O evento aconteceu na Fazenda Modelo, criada em 1919 como iniciativa federal de fomento à agropecuária e que tornou Pedro Leopoldo ao longo dos anos uma referência nacional de gestão e produção agropecuária. Nesse evento, foi feita a primeira foto da Corporação Musical Cachoeira Grande, a banda mais antiga da cidade, que completa, neste ano de 2020, 108 anos. Ela foi fundada em 1912 pelos operários da fábrica de tecidos. A banda de Vera Cruz é ainda mais antiga – é de 1911. Assim como o próprio distrito de Vera Cruz, cujas origens remontam à década de 1710, é mais antigo que Pedro Leopoldo. Mas só passou a pertencer à nossa cidade em 1923. Antes, foi distrito de Sabará e Contagem.

Uma das primeiras fotos da Corporação Musical Cachoeira Grande, criada em 1912 pelos operários da fábrica

Outro patrimônio cultural da cidade que surgiu naquela época – e pelas mãos dos operários da fábrica – foi o Boi da Manta, que saiu pela primeira vez em 1919. Completou 100 anos no ano passado, portanto. Era uma festa pequena que ainda não ganhava as ruas com milhares de pessoas como hoje, mas já tinha as características que se mantiveram ao longo desses cem anos, nos quais nunca deixou de divertir os pedro-leopoldenses.

O ano da emancipação: Pedro Leopoldo se torna município

O dia 27 de janeiro de 1924 amanheceu com as ruas da cidade enfeitadas por bandeirolas e escudos contendo inscrições dos estados brasileiros. Duas bandas de música abrilhantavam as solenidades, tocando nas ruas tomadas pelo povo. À tarde, tomou posse a primeira câmara eleita de vereadores, composta por Amando Belisário Filho, Romero de Carvalho, Ivany Guimarães, João Rodrigues da Silva, Antônio Higyno Costa, Tranquilino Euzébio de Bastos e Cândido José da Silva e presidida por Romero de Carvalho.

O governo do Estado se transferiu para Pedro Leopoldo. Vieram para cá autoridades do governo mineiro como Cristiano Machado (oficial de gabinete) e Fernando de Mello Viana, secretário de interior do governador Raul Soares. Mello Viana, aliás, seria posteriormente nomeado governador (ainda naquele ano) e vice-presidente da república em 1926. Em seu discurso, ele destacou a importância de Pedro Leopoldo como crescente centro industrial e seus pioneiros como fonte inesgotável de energia. E que, por manter suas tradições, o povo desta comunidade faria dela “um centro de progresso a brilhar no futuro de grandeza do estado”.

Também estavam presentes o Secretário de Agricultura, Daniel de Carvalho; Afonso de Sá, chefe de polícia; Flávio dos Santos, prefeito de Belo Horizonte; Noraldino Lima, diretor da Imprensa Oficial, entre várias autoridades. Segundo o jornal Diário de Minas, em sua edição de cinco dias depois, 29 de janeiro, “Pedro Leopoldo, uma das mais prósperas vilas recentemente criadas pelo congresso… vestiu-se de galas e vibrou jubilosa ufania ao comemorar esta hora histórica e inesquecível de sua vida”.

A União Orquestra, criada por José Flaviano Machado, que tocou nas festividades de emancipação da cidade em 27 de Janeiro de 1924. Na foto, de pé da esquerda para a direita, Mário Candu, Nico Pedreiro e Pedro Hilário Rodrigues; Sentados, da esquerda para a direita, Antônio Drumond, Raimundo Joaquim de Souza e Quincas de Almeida

Um grande banquete foi oferecido às autoridades ao som dos acordes da União Orquestra, sob a regência do maestro José Flaviano Machado. O menu era de dar água na boca: creme de aspargos, maionese de camarão, arroz de forno, peixe assado, costeletas à milanesa, peru à brasileira, frutas, doces, queijos, água mineral, vinhos, champagne, licores, café e charutos. A festa foi encerrada com um grande baile no grupo escolar – era o grupo São José, primeira escola da cidade, que completou 100 anos em 2006.

Cultura e entretenimento: a cidade se desenvolve

Talvez para sair à frente de outros veículos na tarefa de registrar as festanças que ainda viriam, em 21 de abril de 1925 começa a circular em PL seu primeiro jornal. “O Pedro Leopoldo” era editado por Cristiano Otoni e Maurício Azevedo e gerenciado por Joaquim Tavares de Souza que, no ano anterior, fundara a Tipografia Tavares, atual Gráfica Tavares. Também em 1925, é criado o Jockey Clube Leopoldense, onde o povo se divertia nas corridas de cavalos.

Chico Xavier, antes dos 20 anos

A estrada para Belo Horizonte é inaugurada em 1926. Os pedro-leopoldenses passam a ir à capital pela serra das Aroeiras, via Vera Cruz, Neves, Campanhã e Venda Nova. A chegada em Pedro Leopoldo é emocionantemente anunciada pelos bambus da região da Fazenda Modelo. Em 1927, Chico Xavier, então com 17 anos, recebe a primeira mensagem psicografada em uma reunião espírita. É a primeira entre milhares, que deram origem a mais de 450 livros psicografados pelo maior médium do mundo, nascido em Pedro Leopoldo. Na pequena reunião, dezessete folhas de papel foram preenchidas, rapidamente, tratando dos deveres do cristão.

Em 1928, é inaugurada no dia 19 de agosto a estrada que liga Pedro Leopoldo a Dr. Lund.  Chico Xavier instala no dia 29 de outubro o Centro Espírita Luiz Gonzaga, o primeiro da cidade. Pedro Leopoldo ganha o Tênis Clube e o Clube Recreativo Democrata. Em 1929, é construída a primeira paróquia de Nossa Senhora da Conceição. O primeiro vigário foi o padre José Augusto Ribeiro.

 

Fontes: Arquivo Geraldo Leão (fotos), livro Memória Histórica de Pedro Leopoldo (1994/Marcos Lobato Martins), Memória Histórica de Pedro Leopoldo ( 2015/José Issa Filho), acervo revista e jornal AQUI PL, página no Facebook Pedro Leopoldo e sua História, sites sobre história das Ferrovias, política de Minas e prefeitura de Pedro Leopoldo

Bianca Alves

Criadora e editora do projeto AQUI PL, é formada em Comunicação Social pela UFMG e trabalhou em publicações como os jornais O Tempo, Pampulha, O Globo; revistas Isto é, Fato Relevante, Sebrae, Mercado Comum e site Os Novos Inconfidentes

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