Neste momento da pandemia que estamos vivendo, há um dado da realidade objetiva que não pode ser ignorado: não há vacina em número suficiente para toda a população. É preciso, então, fazer escolhas, decidir com base em critérios quem irá receber as doses disponíveis e em qual ordem. Os critérios para a escolha deveriam ser definidos a partir dos conhecimentos científicos e critérios técnicos. No caso brasileiro, devido à existência e às características do nosso sistema público de saúde, gratuito e universal para todos, quem tem o papel de organização e gerenciamento da vacinação é o Ministério da Saúde.
O plano nacional de vacinação, elaborado pelo Ministério da Saúde, definiu grandes grupos prioritários que receberiam a vacina por sua ordem de classificação. O problema é que esses grandes grupos são compostos por categorias menores e não houve o estabelecimento da ordem de imunização de cada um desses subgrupos. Dessa forma, as diretrizes que chegaram aos municípios para aplicação das primeiras doses disponíveis da vacina eram vagas, permitindo que cada secretaria municipal decidisse suas prioridades locais.
Ficou a cargo dos governos municipais decidir como seria feita a distribuição das primeiras doses da vacina entre os subgrupos dos profissionais de saúde, idosos, indígenas, quilombolas e pessoas com comorbidades. Todos esses integrantes do primeiro grupo prioritário.
A partir dessa contextualização, chegamos ao quadro do município de Pedro Leopoldo que optou por vacinar todos os profissionais ligados à área da saúde antes mesmo da vacinação dos idosos e pessoas com comorbidades. Foram vacinadas, dessa forma, os profissionais de saúde da linha de frente do combate ao coronavírus, médicos e atendentes de consultórios públicos e particulares, farmacêuticos e balconistas de farmácia, profissionais laboratoriais, psicólogos, veterinários, fisioterapeutas, educadores físicos – de instituições públicas ou das diversas academias da cidade e alguns profissionais dessas áreas que já não exercem mais suas atividades.
Uma pergunta importante se coloca: qual é a explicação racional de se priorizar neste momento profissionais que não estão na linha de frente, muitos jovens e sem quaisquer problemas de saúde, em detrimento dos idosos e daqueles que possuem comorbidades?
Essa pergunta reverbera na discussão de uma outra questão, o ponto que deveria ser o principal desde o início da pandemia: quais são as prioridades da nossa sociedade?
Sabemos que todas as atividades profissionais e todas as vidas são importantes para o funcionamento do país. Entretanto, frente à uma situação de escassez, ou a qualquer escolha política de aplicação de recursos, é necessário ter prioridades claras estabelecidas. Indago: quais são as prioridades brasileiras neste momento?
Se tudo é igualmente importante, nada é importante. Essa é uma máxima bastante conhecida, e muito verdadeira. Quando todos os serviços são classificados como essenciais, perdemos o foco daquilo que sem o qual não poderíamos viver. Quando todas as áreas do serviço público são priorizadas ao mesmo tempo, faltam recursos financeiros e humanos para desenvolvê-las.
A fila da vacina em Pedro Leopoldo é apenas mais um exemplo da falta de projetos políticos bem estruturados no nosso país. Uma sociedade que não valoriza os seus mais velhos, aqueles que deram suas vidas para construir o que temos hoje, aqueles que possuem mais experiência e sabedoria que nós. Uma sociedade que não prioriza a saúde quando essa é confrontada com os interesses da economia. Uma sociedade que não protege a sua população desamparada sem emprego em uma pandemia mundial. Uma sociedade que não se importa verdadeiramente com a educação, que clama pela abertura das escolas, mas que ignora que metade das escolas brasileiras não possui rede básica de água e esgoto. Qual será o triste futuro da nossa sociedade?