E lá estou eu, descendo a Magalhães… atravessada a linha, paro no sinal fechado e aguardo tranquilamente minha vez de seguir viagem. Ainda restam vários segundos, enquanto ouço “Eu vou tirar você desse lugar”, um clássico do qual até hoje vive o Odair José…
Entretanto, mente caótica que possuo, me ocorre que a trilha sonora ideal para este dia calorento, na verdade, é uma paródia de Caetano Veloso, que vestido apenas com sua sunga tropicália, entortaria os versos de Tieta, cantarolando “eta, eta, eta, etaaaa… Pelopoldo, olha só, um calor do capeta, eta, eta”… E ao simplesmente mentalizar por uma fração de segundos o cognome do Tinhoso, ele me envia um sinal inequívoco de que não é só tinhoso, é também comediante.
Uma moça insere no meu carro, através da janela, a metade de seu corpo, considerando ainda que meia bandeira também veio! E, olhos vidrados, arregalados e um tanto quanto tristes, ela me pergunta, com uma voz quase gutural:
– Ô véi, cê já tem candidato?
Eu respondi “Tenho”, e mais uma vez o espírito zombeteiro que habita minha cabeça apronta uma de suas traquinagens, me lembrando que “Tenho” é uma canção bem divertida do Sidney Magal, mas NÃO, nesse caso eu não teria mil braços para abraçar ninguém, só pra empurrar pra fora a jovem e empolgada invasora! Cuspi alguns dos vários panfletos que ela espalhou dentro do meu carro e, sinal aberto, segui viagem, sob os gritos alvoroçados de várias bandeirantes, enquanto um ou outro carro interagia com o grupo.
Sigo viagem e observo que a cidade tem poucas lixeiras, as poucas que tem são bem feias e a maioria delas está tampada por bandeiras com caras de candidatos. Observo uma dessas bandeiras e não sei dizer se é o sujeito pedindo voto ou se é a família divulgando um folheto de “in memoriam”, a foto do moço ficou igualzinha aqueles panfletos de velório, quase mando uma coroa de flores.
Prossigo meu passeio pelo centro, mais bandeiras tapando o caminho dos transeuntes, as lixeiras, perturbando os ângulos de visão dos pedestres. Nelas, candidatos apontando o dedo em direção ao eleitor, parece que essa é uma tendência no pleito desse ano, foto apontando pra câmera. Imploro ao meu cérebro perturbado para que ele pare de olhar pra essas pessoas apontando o dedo e grite um “ieié” a la Sergio Mallandro, a cada uma das bandeiras com essa pose.
Outra esquina, outro sinal de trânsito, mantenho os vidros do carro numa altura pela qual eu imagino que ninguém vá pular pra dentro, porque já vejo outro grupo de operadores de bandeira, um entusiasmo tão flácido que parecia o velório do candidato do qual falei antes, o do panfleto “saudades eternas”. Nessa turba, vislumbro um tanto quanto chocado uma bandeira de um candidato que pela amplitude do sorriso, com toda certeza tem no mínimo 48 dentes, não sei se ri ou se rosna.
Cuidadoso, atravesso o espaço ocupado pelo grupo, que inadvertidamente ocupa uma faixa de pedestres inteira (segurança, pra que?), com medo de alguma bandeirosa ir parar no meu porta malas e eu ter que explicar muita coisa em casa. Ouço gritos de “buzina se você é fulano de tal”. Só tenho sido eu mesmo, fato do qual não me orgulho, então deduzo que não é comigo que ela está falando, sigo em frente sem me manifestar.
Outra esquina, mais bandeiras, rua absolutamente estreita, com calçadas que parecem um fiapo, nas quais um pedestre medianamente robusto já não cabe e tem que andar na rua, correndo risco, porque as tais minicalçadas estão tomadas por bandeiras… e começo a perceber que aparecem algumas em que o candidato está na foto acompanhado de mais gente, uma espécie de “digo-te com quem ando e tu me votas”. Sei lá, já dizia minha saudosa mãe, “junta com quem te melhora”, mas parece que esse conselho não anda muito na moda, ultimamente.
Nos materiais, falta proporção, o candidato está muito grande e os colegas de cartaz estão pequenos, em outros é o contrário. Vi um em que o candidato estava tão pequeno em relação aos colegas de anúncio que parecia um boneco de ventríloquo, sentado no colo do artista (significativa e quase autoexplicativa, essa imagem). Já outros, percebo, estão sozinhos nas bandeiras, sem qualquer menção a mais ninguém, e alguns me parecem tão constrangidos de estar ali pra cumprir tabela que me pareceria melhor que tivesse colocado só o nome, e tava tudo certo.
Chego à Praça Chico Xavier, talvez um de nossos espaços públicos mais aprazíveis, e provavelmente a praça mais azarada do Brasil, porque fica ao lado de uma Prefeitura feia demais (já falei que sou a favor de demolir aquela feiúra e criar um espaço de convivência social para a população?). A praça, muito pouco arborizada para os dias atuais, e os sinais de trânsito são território disputado no momento, com grupos de bandeiristas de um lado e de outro. O clima é menos amistoso do que deveria, mas ainda assim é suportável. E sigo meu calvário visual, enquanto no caminho eu vejo mais propaganda de candidato a vereador. É tanto candidato que, se a quantidade fosse proporcional aos eleitos, a Câmara acabaria sendo transferida pro CEPPEL, pra caber o burburinho.
E até a região norte, o caminho é salpicado por mais bandeiras, de todos os tipos. Candidatos sozinhos, escondendo os cabeças de chapa, candidatos abraçando as mais variadas entidades pra tentar pegar carona no prestígio alheio, candidatos apontando dedo, sorrindo com centenas de dentes, um ou outro candidato com bandeirinha básica, vários naquela pose de bracinhos cruzados (mais batida do que tambor em Salvador), e eu chego em casa.
Entro, peço licença ao gato que acha que é o dono da residência, vou até a caixa de correio e retiro aproximadamente oito quilos de panfletos. Sinto que a seleção dos distribuidores de material talvez não tenha sido muito boa, porque um candidato, especificamente, marca presença na minha caixa postal com a bagatela de 56 panfletos, em um único dia! Já não tinha meu voto, se tivesse o perderia, pela inconveniência. Entro em casa com medo. Não sei se devo abrir a tampa do sanitário, e correr o risco de um candidato brotar lá de dentro. Ou talvez, algum se materialize dentro do forno. Outro, provavelmente, disputaria espaço com meus cães, lá no canil.
Candidatos demais… o lado bom? Talvez brotem boas propostas. O lado ruim? Talvez brotem muitas propostas.
Sigamos…