Minha mãe costurava. Costurava tão bem que muitas pessoas ainda guardam, como relíquias, os vestidos e conjuntos que saiam da sua Singer. Ou a máquina de costura seria Elgin?
Cresci entre linhas, panos (havia quem os chamasse de fazendas), moldes, entretelas, botões, agulhas e o ruído incessante da máquina de costura. Um universo em extinção muito antes da inteligência artificial e das Shein da vida – afinal, quem vai fazer uma roupa sob medida hoje em dia?
Na minha infância, muitas mulheres faziam. Queriam algo exclusivo, mesmo que inspirado nas revistas Manequim ou Burda – esta última uma publicação alemã. Carminha era costureira “careira”, para a qual você entregava as melhores “fazendas”, sem risco de perdê-las em uma má produção. De suas mãos, saiam tailleurs, tubinhos e terninhos para uma vida inteira, confeccionados em crepes, linhos, sedas, nas suas mais diversas e luxuosas variações.
Lembro-me de correr Pedro Leopoldo, a pé ou de bicicleta, fazendo o contato entre os vários elos de uma poderosa cadeia de fornecedores. Cobrir botões e fazer ilhoses com Seu Wilson, de Vitória Malloy. Fecho-eclair e retrozes tinham que ser comprados na Lula, mãe de Celso Turco. As barras e outras pequenas costuras precisavam das mãos habilidosas de Vadica, lá do Quadro. E como o Quadro era longe naquela época…
Tirar as medidas, fazer o molde, cortar, costurar, provar, fazer o acabamento. Carminha trabalhava e muito. Passava horas guiando os tecidos por debaixo da agulha e, de vez em quando, levantava a cabeça pra falar essas coisas de mãe: “para de mexer aí, vai fazer seu dever, coloca a roupa no cesto, espera seu pai chegar…” Às vezes parava por mais tempo e pedia: “me mostra o que você fez”. E elogiava, e sorria e dizia que tudo ia ficar bem.
E é disso o que eu mais sinto falta na falta de Carminha: alguém pra eu mostrar o que fiz. E pra me dizer que tudo vai ficar bem.