A cervejaria holandesa Heineken não vai mais instalar uma de suas fábricas em Pedro Leopoldo. O investimento de cerca de R$ 2 bilhões, o maior de toda a história da cidade, saiu voando pela janela para alguma outra cidade do estado, deixando ao relento os planos de redenção econômica do município. Os prejuízos são incalculáveis e vão da perda de receita do ICMS aos empregos que já começavam a ser gerados, como o do motorista que iria entregar marmitas na obra – comida aliás elaborada por pequena empresa local.
A notícia caiu como uma bomba na cidade, que não recebia uma grande empresa desde a década de 70, quando foi inaugurada a Ciminas. De lá para cá, o município perde a passo rápido seu parque cimenteiro e torna-se cada dia mais uma cidade-dormitório, sem empregos qualificados para seus moradores. Em seu entorno, é a cidade que menos cresce, segundo o IBGE. De 2010 para cá, o PIB de Pedro Leopoldo cresceu 10%, enquanto o de Lagoa Santa deu um salto de 60% e Matozinhos, de 40%.
A principal razão apontada pela cervejaria para desistir do negócio é que ele só faria sentido se “contasse com o apoio de toda a sociedade, incluindo daqueles que contribuem para o desenvolvimento socioambiental da região”, como frisou o diretor de Assuntos Corporativos da Heineken, Mauro Homem. A frase, enigmática, seguramente se refere à mobilização de entidades ambientais contra o empreendimento que, se não faltaram com a verdade em seus argumentos, também não apontaram soluções para sua viabilização.
“O meio científico expôs seus posicionamentos técnicos, que são irrepreensíveis”, observou o engenheiro Silvio Xavier, que é representante da Asep no Conselho do ICMBio. “Mas as exigências podiam ter sido solicitadas lá atrás, no início do processo”, continua. Ele acredita que a Heineken fez todos os estudos necessários, nos dois anos em que analisou o local, mas falhou ao não dividir a tarefa. “A empresa contratada trabalhou de forma individualista, sem envolver as secretarias municipais, o Iphan, o próprio ICMBio e outras entidades ambientais, que definiriam os fatores condicionantes locais”, pensa Silvio.
Para ele, as dificuldades para a implantação da fábrica no Carste eram contornáveis. “A engenharia está aí pra isto, para reduzir os impactos, mas esta engenharia é mais cara”, observa. O engenheiro imagina que, ao longo desses seis meses de imbróglio, desde que as obras do empreendimento foram embargadas, a conta aumentou com as exigências de adaptação do projeto. E agora, a empresa está procurando uma cidade – havia pelo menos mais cinco locais aventados – na qual a instalação da fábrica siga o cronograma projetado.
A prefeita Eloísa Helena, que estava em Brasília, foi pega de surpresa, como toda a cidade. “Tudo que eu podia fazer, foi feito. Estou muito chateada, muito arrasada”, confessou a uma rádio local. “Estávamos aguardando o final das tratativas com o Ministério Público e fazendo o possível para agilizar o processo. Não acredito que o Estado, a Secretaria de Meio Ambiente, fez algo indevido mas a Heineken está fazendo um investimento muito alto e parece que não pode esperar mais para começar as obras, o que infelizmente não será possível em nosso município”, lamentou a prefeita. Segundo ela, a prefeitura encaminhou um projeto à Câmara para incentivar a implantação de novas empresas na cidade e destacou o turismo como área a ser explorada. “Novos empreendimentos virão”, assegurou.
O empresário Emiliano Braga, uma das lideranças do movimento #euqueroaheinekenaqui”, destaca que a cidade lutou para que a Heineken se sentisse acolhida. “Queríamos que todas as instâncias conversassem e assim fosse possível que o empreendimento se instalasse com sustentabilidade. A sensação que tenho é de dever cumprido, como cidadão, como empresário, já que fizemos o que era possível à sociedade civil fazer”, afirmou. “Demos publicidade quando foi necessário, ficamos discretos quando a situação pediu. Se não acertamos em tudo, temos a certeza de que a cervejaria entendeu os anseios da comunidade, que queria o empreendimento instalado aqui”, completou.
Segundo Emiliano, o movimento foi positivo até o fim e, por isso mesmo, não adianta ficar olhando para trás. “Temos que aprender com tudo isso, para que o governo do Estado, os órgãos ambientais, a cidade e a própria comunidade possam agir de uma maneira mais eficiente lá na frente e avançar, quando for necessário. Temos que fazer desse limão uma limonada e ter um olhar mais pragmático: quais são as nossas possibilidades agora? O que devemos fazer?”.
Para ele, é necessário discutir sim um plano de manejo para a região, mas é preciso pensar em outras alternativas como incentivar polos de empresas de tecnologia ou portos digitais, além do nosso potencial turístico. Afinal, um milhão de reais investido em tecnologia geram 40 empregos. A mesma quantia investida em turismo cultural ou religioso gera 25 empregos.
“Há um ano atrás, não havia expectativa da Heineken e nós já discutíamos o futuro da cidade. É a partir da nossa realidade que vamos fazer um plano consistente para o desenvolvimento da nossa terra. Aproveitar o nosso potencial e fazer aquilo que depende de nós: uma cidade mais inteligente, mais inovadora, pois há sim uma luz à nossa frente”, aponta o empresário.
Segundo o jornal El País, a construção de uma fábrica na região onde Luzia foi encontrada mobilizou a comunidade arqueológica do Brasil e do exterior, que enviou uma carta à sede da Heineken, na Holanda. O documento ressaltou pelo menos três preocupações: o possível impacto ao patrimônio cultural, as consequências que a captação subterrânea da água pode provocar na região, e a necessidade de uma comunicação clara com a população que vive na área.
“Somos profundamente gratos à comunidade de Pedro Leopoldo, que nos recebeu de braços abertos, e a todos os parceiros que se juntaram ao Grupo Heineken nesse grande projeto. Seguiremos juntos em Minas Gerais, vamos avaliar novas oportunidades dentro da área que ocupamos e, para essa comunidade que tanto nos acolheu, faremos uma doação em parceria com o Ministério Público para preservação do sítio arqueológico”, disse Mauro Homem, da Heineken, ao jornal espanhol.