Os brasileiros deram show de hipocrisia na cúpula do clima organizada pelos EUA. A iniciativa de Biden mobilizou governadores e empresários. Forçou Bolsonaro a recuar em seu negacionismo. Mas, tudo fogo de palha. Foi só passar o evento para o assunto esfriar. Muitos já o esqueceram. De todo modo, a atuação brasileira não será esquecida tão cedo, ao menos por Biden. Foi uma farsa realmente memorável.
Um dos pontos altos da farsa montada para a cúpula foi a carta de 24 governadores, entre eles, Romeu Zema. Sim, o mineiro Zema, o mesmo que antes da pandemia aprovou um projeto de mineroduto para escoar minério com águas subterrâneas de uma das regiões mais áridas do seu estado. A alternativa ferroviária nem foi cogitada. Os ambientalistas chiam, claro. Mas, quem liga no governo de Minas? O compromisso ambiental de Zema não passa de encenação. Assim como o da maioria de seus colegas.
Sinceramente, eu não sei de nenhum governo estadual ou prefeitura que esteja fazendo política ambiental séria, com resultados efetivos. Quem não faz vista grossa para as agressões ambientais? Não precisa ir à Amazônia, basta olhar o entorno de nossas cidades para constatar a devastação contínua, sistemática. A todo momento uma área verde é derrubada para virar pasto ou loteamento. A especulação fundiária vai aniquilando o que sobrou das matas, com a convivência das autoridades. A situação dos rios urbanos é deplorável, muitos já viraram esgoto ou foram abafados pelo concreto, aprisionados no subsolo.
No Brasil, a devastação ambiental é avassaladora e generalizada. De norte a sul. De cabo a rabo. O brasileiro típico corta árvore pra não ter que varrer folha. Não tem muito apreço à natureza. Essa tendência é particularmente forte em áreas amazônicas. Eu conheço bem Rondônia, um dos estados que mais desmatam. Visitei várias vezes a capital e o interior rondoniense. Chamavam minha atenção a ausência de árvores nas ruas e certo desprezo das pessoas pela floresta. Para elas a floresta é sinônimo de malária, umidade sufocante, barreira ao progresso. E sempre que eu defendia a preservação da floresta, ouvia uma reação: você fala assim porque onde na região onde mora já foi quase tudo desmatado.
O rondoniense se acha no direito de devastar suas áreas florestais, da mesma forma que mineiros, paulistas, catarinenses, enfim, os demais brasileiros fazem há séculos. É uma questão de isonomia. E um grande complicador. A lei é uma só. Não dá para exigir compromisso ambiental dos nortistas enquanto o código florestal é burlado nas outras regiões. Não dá pra ter políticas rigorosas para a Amazônia e impunidade para infratores no resto do país. Também não dá pra ignorar o óbvio, que é a falta de engajamento da sociedade à causa ambiental.
O Congresso é a nossa cara: a bancada do boi é a mais poderosa; e a bancada verde, alguém já ouviu falar dela, será que existe? A pauta ambiental não dá voto. Está sempre ausente nas campanhas de todos os níveis. Só despertou interesse recente porque o presidente mais poderoso da terra provocou a conversa. E não teve como evitar.
No momento, o que Bolsonaro, governadores e empresários mais desejam é que Biden baixe a guarda sobre a Amazônia e passe a se ocupar de outras questões na Casa Branca. A elite política e econômica nacional reza para que a pressão diminua, o assunto esfrie. Mas, não vai rolar. O show brasileiro de hipocrisia não enganou ninguém na cúpula do clima. Biden nem se dignou a ouvir o que Bolsonaro tinha a dizer. Mas, ainda que falaciosas, as promessas brasileiras serão cobradas; serão exigidos atos e resultados. E aí… Bom, aí, o que começou como uma farsa das elites pode terminar como uma grande tragédia para o país.
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