Nós sobreviventes da pandemia do século, mesmo conscientes de que o século só está começando, passamos por maus momentos em 2020. Talvez os piores momentos de todas as nossas vidas. Sentimos o medo da doença e da morte, nervosismo por estarmos em isolamento, dúvidas sobre o futuro, saudades dos que partiram, saudades de um abraço amigo. Sentimos a agonia pela espera de uma vacina, o desespero com o fechamento de negócios, angústia pela falta de emprego, a ameaça da redução da renda, o agravamento da miséria e a dor da fome. Todos os dias a mesma pergunta: quando tudo isso passará?
Convivemos com um presidente que instigou um golpe de estado e orientou seguidores contra as instituições democráticas. Enquanto negava a gravidade da doença e incentivava o uso de remédios sem nenhuma comprovação científica da sua eficácia, sua excelência abria mão de coordenar e organizar o país em prol da saúde e da recuperação da economia. O negacionismo das ciências se tornou uma constante, enquanto seguidores ensandecidos se especializavam em produzir e multiplicar “fake news”, agredindo a tudo e a todos.
Falar de perspectivas para 2021, em meio a um cenário de crise mundial produzida por uma pandemia que quando parece arrefecida, volta, é tarefa difícil, muito mais difícil do que quando em condições mais favoráveis de saúde geral, no mercado. O que, então, nos espera no futuro?
Para reverter a dinâmica de baixo crescimento, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) recomendou em seu relatório anual que os governos da região adotem políticas fiscais e monetárias ativas, elaboradas em conjunto com medidas ambientais e industriais que promovam transformações estruturais significativas. Não creio que o Brasil adotará tais recomendações em 2021, devido às manifestações de técnicos e autoridades do Ministério da economia, o que agrava minhas expectativas de um baixo crescimento econômico em 2021.
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em relatório sobre o Brasil também faz algumas recomendações. Para a OCDE será necessário melhorar políticas econômicas de forma duradoura. Diz a OCDE: “A grande força de trabalho e a venda de commodities, que impulsionaram a economia brasileira até agora, são motores que não vão perdurar. É preciso aumentar a produtividade, que se manteve estagnada nos últimos anos”; diz ainda em seu documento: “Políticas de capacitação profissional e educação bem elaboradas podem ajudar os trabalhadores a fazerem essa transição com sucesso”, acrescentando que melhores oportunidades para o reforço de competências “facilitarão a transição para empregos novos e com melhores salários e, ao mesmo tempo, fortalecerão a produtividade”. A pergunta é: por que não seguir tais recomendações? Porque estamos entrando 2021 tão distantes dessas recomendações? Vivemos a intransigência ideológica da recusa à intervenção inteligente do estado na economia. Nem mesmo o tamanho da crise vivida foi capaz de tirar de cena o mito neoliberal.
O início da vacinação nos principais países desenvolvidos nos traz alentos, mas quando é que o efeito da imunização permitirá uma maior circulação de pessoas, recursos e mercadorias? As pessoas ainda não estão seguras quanto ao efeito das vacinas. Têm medo de virar jacaré. A produção industrial precisa de mais segurança no campo da saúde para voltar a abastecer o mercado na medida em que se encontram as demandas.
Eu diria que o primeiro semestre de 2021 terá a cara de 2020, com um agravante, não haverá auxílio emergencial e os interesses políticos focados na sucessão presidencial de 2022 já serão determinantes nas ações parlamentares. Assim sendo, na área social, pode-se projetar queda no consumo das famílias, mais gente abaixo da linha de pobreza e mais pessoas no mapa da fome. Mais pessoas vivendo nas ruas. Mais crianças fora das escolas. Portanto, um país que já vem convivendo há anos com graves problemas de desigualdade e má distribuição de renda, cuja economia em lenta recuperação que não conseguiu chegar aos patamares do pré-crise da covid-19, verá seus indicadores sociais piorarem muito. E olha que já estávamos com indicadores econômicos muito fracos e com recuperação lenta, antes da pandemia.
O consumidor e os empresários em geral entrarão 2021 mais pessimistas com relação ao futuro, e esse pessimismo influenciará suas decisões de investimento e de consumo. As famílias estarão mais voltadas para poupar, mudando seus hábitos de compras, adiando seus desejos de aquisição de bens e serviços. Somente com vacinação em massa, coordenada e organizada, as famílias estarão livres para consumir como quiserem, sem serem pressionadas para fazer reserva de renda para o futuro.
A recuperação existe, mostrou seus sinais no terceiro trimestre de 2020, mas ela vai perdendo velocidade. Os gastos e a renda pessoal tende a cair ao longo do novo ano. E assim também os gastos públicos, tão importantes para a retomada da demanda efetiva. O governo já se manifestou pela manutenção do teto de gastos e pela retomada do ajuste fiscal, o que impede de utilizar medidas anticíclicas tão necessárias em momentos de crise econômica como agora.
Estados e municípios sem o auxílio do governo federal se verão pressionados, por sua baixa arrecadação, seu elevado endividamento e, de maneira crescente, pelas demandas no campo da assistência social, segurança e saúde. Tudo isto acontecendo enquanto o desemprego avança, à medida que mais pessoas voltam ao mercado de trabalho e a recuperação econômica ainda estará insuficiente para absorver a oferta de mão de obra.
Enquanto a pandemia impedir o pleno funcionamento das escolas, teremos crianças com déficit de aprendizado, em especial nas classes sociais mais pobres, ao mesmo tempo em que se ampliará a evasão de jovens no ensino médio. Como se percebe, cada família está refém de sua situação social, ampliando-se, portanto, o fosso das desigualdades.
O retorno do governo central ao caminho das reformas estruturais não significa que o país terá um crescimento econômico sólido imediato, diante de tudo o que vimos acontecer. Existe muita propaganda equivocada, sem as devidas comprovações científicas. O mercado sozinho não conseguirá sair da crise. Há uma carga de consequências recessivas graves quando se volta de imediato para redução de gastos públicos e queda generalizada nos investimentos. Quando se reduz a proteção social ampliam-se os problemas na ponta, estados e municípios terão uma conta maior a pagar. Quando se retira o apoio de pequenos e médios empresários o que se pode esperar é o aumento da informalidade e das falências. Ou seja, dependendo das reformas a serem aprovadas, estas poderão ampliar os impactos recessivos em alguns setores chaves da economia.
Tudo indica que Bolsonaro insistirá numa pauta conservadora junto ao Congresso Nacional, por exemplo, projetos como o excludente de ilicitude, a regularização fundiária da Amazônia, a regulamentação da educação domiciliar no Brasil, o voto impresso, mudanças na legislação de improbidade administrativa e a conhecida “agenda aduaneira”. Um movimento de volta ao conservadorismo de raiz que tanto agrada seus eleitores. Mas sua popularidade poderá cair com o fim do auxílio emergencial e a não recuperação integral da economia. Não estamos isentos de revoltas populares que o agravamento da crise poderá trazer de volta ao cenário político nas grandes cidades.
A estimativa do governo é de um crescimento de 3,2% do PIB para 2021, mas o ministro Paulo Guedes, vem divulgando valores até mais expressivos devido a algumas melhorias momentâneas da atividade econômica, como o risco-país médio no menor patamar dos últimos cinco anos, a bolsa de valores superando a marca dos 100 mil pontos e a captação externa feita recentemente pelo país, que teve uma demanda três vezes maior que a oferta.
Tudo indica que teremos mais inflação em 2021. As expectativas apontam para um aumento no primeiro semestre, mais disseminado, mas que irá se recrudescer no segundo semestre. Não será furado o teto da meta porque o Banco Central vem conseguindo controlar as expectativas do mercado e está pronto para agir no que for necessário.
A estimativa da CNI para a inflação é que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fique em 3,55% ao ano no fechamento de 2021. A meta definida pelo Conselho Monetário Nacional para o próximo ano é de uma inflação de 3,75% ao ano, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Assim, a inflação no próximo ano deverá ficar abaixo da meta, mas ainda dentro do intervalo de tolerância. No caso da taxa básica de juros, a Selic, a CNI espera que ela seja mantida no atual patamar de 2% ao ano até o fim do primeiro semestre de 2021, quando se iniciará uma sequência de três aumentos. Com isso, a Selic deverá ficar em 3% ao ano no fechamento de 2021.
Se a economia voltar a se recuperar com maior velocidade no segundo semestre de 2021 teremos um forte aumento das importações, desde que o mundo tenha como nos atender. Isso irá impactar as Contas Correntes, mas o volume de reservas e as perspectivas de fluxo de capitais estrangeiros indicam que não teremos problema. Segundo projeções da CNI, a balança comercial brasileira ficará positiva em US$ 57,6 bilhões no fechamento de 2020, o que representa um aumento de US$ 9,6 bilhões na comparação com 2019. O desempenho será resultado de uma queda nas importações (13,3%) em ritmo mais acelerado que nas exportações (6,2%) neste ano frente a 2019. Para 2021, estima-se que o superávit comercial seja em torno de US$ 49 bilhões, com aumento de 7% nas exportações e de 15% nas importações.
Quanto ao crescimento do PIB apresento as projeções da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo a FGV, ao longo do primeiro semestre de 2021, a atividade deverá se desacelerar e oscilará em torno de zero. Para 2021 como um todo, a projeção é de um crescimento no PIB de 3,6%, influenciada pela projeção para 2020, que saiu de queda de 5% para recuo de 4,7%. Boa parte da projeção do crescimento em 2021 deve ser creditada ao chamado carregamento estatístico de 2020.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que o Produto Interno Bruto (PIB) deverá crescer 4% em 2021, impulsionado pelo avanço de 4,4% do PIB industrial, segundo edição especial do Informe Conjuntural – Economia Brasileira divulgada pela entidade. A estimativa é que, em 2020, o PIB caia 4,3% na comparação com 2019, e o PIB industrial, 3,5%.
Segundo a CNI, quanto ao déficit primário, o setor público consolidado, que inclui governos federal, regionais e suas estatais, deve registrar R$ 789 bilhões, ou 10,93% do PIB no fechamento de 2020. Isso significa que as despesas do setor público, ampliadas fundamentalmente em decorrência das medidas para conter a pandemia de covid-19, superarão em muito as suas receitas. A dívida bruta deverá fechar 2020 em 92,8% do PIB. Desta forma, a estimativa é que, no próximo ano, o déficit primário seja de R$ 192 bilhões, ou 2,50% do PIB.
A indústria de transformação seguirá em recuperação, mas perderá velocidade. A recuperação iniciada no terceiro trimestre de 2020 gerou um sério problema de falta de matéria-prima para diversos segmentos da transformação, mas a escassez de insumos já é uma questão também para alguns empresários na ponta das cadeias de consumo, principalmente no comércio e, em menor escala, em parte dos serviços. Contudo, não acredito que haverá desabastecimento generalizado, aos poucos o abastecimento voltará à normalidade caso a economia volte a funcionar sem paralizações. Um dólar mais comportado (em torno de R$ 5,20) também ajudará a superar problemas de abastecimento.
Para o Ministério da Agricultura, a agropecuária seguirá com forte ritmo de crescimento do Valor Bruto da Produção (VBP), no próximo ano, e o montante deverá superar pela primeira vez a marca de R$ 1 trilhão. O VBP do campo (“da porteira para dentro”) deverá somar R$ 1,025 trilhão em 2021, 15,7% mais que o recorde previsto para 2020 (R$ 885,8 bilhões, um aumento de 15,1% ante 2019).
No que tange ao desemprego, as projeções da CNI mostram que a taxa de desocupação deverá crescer em 2021 e ficar em 14,6% da força de trabalho. Esse índice é 0,7 ponto percentual maior que a taxa projetada para 2020, de 13,9%, já superada pelos números de novembro. Com a queda no receio do contágio pelo coronavírus e com o fim do auxílio emergencial, mais pessoas deverão voltar a procurar emprego em 2021, pressionando a taxa de desocupação.
Então, explicando melhor, a taxa de desemprego seguirá aumentando, mesmo que mais pessoas sejam contratadas, isto porque o número de desocupados também estará em alta. Dos 84,7 milhões de pessoas que trabalhavam no Brasil em novembro, 4,4 milhões estavam afastadas de suas atividades, sendo quase a metade, 2,1 milhões, devido ao distanciamento social imposto pela pandemia de covid-19. Se houver vacinação em massa, muitos voltarão a procurar trabalho.
A construção civil, importante setor para a economia nacional, vai enfrentar problemas sérios no primeiro semestre, tais como a falta de insumos e o possível aumento dos custos, produzindo paralização de algumas obras. Os investimentos em infraestrutura não têm sido suficientes nem para evitar a depreciação do que já existe, o que encarece os custos de logística. Não há no horizonte sinais de retomada das grandes obras públicas em 2021. Seguiremos com os mesmos problemas que nos impedem de solucionar as demandas por melhorias em infraestrutura. A continuidade da insegurança jurídica para captar investimento estrangeiro para o setor é outro ponto a ser destacado.
Com relação ao ciclo de juros baixos, o Banco Central (BC) calculou em 3,9% o nível de ociosidade da economia brasileira. O número é elevado e um dos elementos a justificar a manutenção dos juros reais negativos ainda por um tempo. O Banco Central acredita que esse indicador, que sintetiza alguns fatores como desemprego e uso da capacidade produtiva nas fábricas, ainda demora a chegar a zero. O ponto mais baixo do indicador foi no segundo trimestre, auge da pandemia, quando o também chamado de “hiato do produto”, ficou negativo em 4,9%. O mercado faz suas apostas que um novo ciclo de alta da Selic se iniciará a partir de agosto de 2021.
Os juros sobre empréstimos com recursos livres seguirão elevados quando comparados aos padrões internacionais – em torno de 39% para pessoas físicas e 12% para pessoas jurídicas. Também seguirão elevados os incríveis e extorsivos juros do cartão de crédito para aqueles que não conseguem pagar o total da fatura. Os spreads bancários que medem a diferença entre o custo de captação dos bancos e as taxas que cobram de seus clientes nos empréstimos, seguirá elevada, em torno de 15% para pessoas jurídicas e 20% para pessoas físicas.
Quanto ao crescimento do crédito, o financiamento para as empresas deve ter alta de 22,6% em 2020, número maior em relação à alta de 16,5% projetada no relatório do Banco Central de setembro. No caso de 2021, a projeção passou de crescimento de 5,1% para alta de 4,2%. Para as pessoas físicas, o BC elevou a projeção de alta de 7,8% para 10,4% do crédito em 2020. No caso de 2021, passou de crescimento de 9% para alta de 10,6%.
Com o crescente aumento de volumes de empréstimos oferecidos ao mercado e com a prorrogação do período recessivo com suas consequências é provável que a inadimplência média do sistema financeiro volte a subir para patamares em torno de 3%. As dívidas bruta e líquida do setor público seguirão crescendo, mas sem ultrapassar os 100% do PIB. O programa de privatizações tem chances de voltar a andar, desde que o governo consiga negociar a formação de uma base aliada menos volátil no Congresso Nacional. Os estímulos globais à economia mundial seguirão firmes em 2021. O que representa uma grande liquidez em busca de oportunidades de investimentos, especialmente nos países emergentes. Então, como dito no início deste texto, muito difícil fazer projeções para 2021, mas ficam aqui essas breves notas e alertas que nos sirvam para acompanhar melhor o que virá pela frente.