A história de Pedro Leopoldo que contamos na Internet – capítulo 4: década de 50

A história de Pedro Leopoldo que contamos na Internet – capítulo 4: década de 50

 

Rua principal, em 1958

Quase trinta anos depois que se transformou em município, a cidade pouco havia mudado: no início dos anos 50, as ruas estavam calçadas e abrigavam casas construídas em estilo despojado, utilizando telhas e tijolos maciços fabricados nas olarias locais. A descrição é do historiador Marcos Lobato: as habitações mais pobres dividiam o espaço com algumas casas maiores, moradias das famílias mais ricas, edificadas em estilo eclético. Os fogões à lenha eram presença obrigatória em qualquer residência e, nas ruas e terreiros, animais domésticos viviam soltos.

Praça Dr. Senra, em 1958

Até então, a cidade tinha apenas três praças: a Dr. Senra, próxima à Fábrica; a praça da Estação e a praça da igreja. Surge então a praça Getúlio Vargas, num local onde ficavam circos e parques que visitavam a cidade. Esses locais ainda existem até hoje, abrigando esse tipo de atração, caso do imenso lote na esquina da principal com Salgado Filho. Existe até uma brincadeira relacionada à montagem da lona de um circo ou  das barracas de um parque de diversões. É quando é certo que vai chover.

A economia foi a mesma durante muito tempo, baseada no pequeno comércio, pedreiras, fábricas de cal, a Fábrica de tecidos, a Fazenda Modelo e as atividades na Rede Ferroviária. Não era fácil a vida de quem trabalhava na fábrica, conta Lobato. Citando matéria de um jornal de 1958, ele descreve a exploração dos tecelões, obrigados a operar maquinário obsoleto e sem segurança.

Segundo o jornal, um operário pode ter em suas mãos de 5 a 15 teares, além de se submeter a desconfianças constrangedoras, abuso dos preços no armazém da fábrica e o mais grave: o ensino industrial é um engodo para burlar as leis trabalhistas no caso de empregados menores. No entanto, durante três décadas foi a principal empregadora da cidade, uma realidade que começa a mudar justamente na década de 50.

Ela se inicia com a morte do Padre João Luiz Espeschit, segundo vigário da paróquia de Nossa Senhora da Conceição, responsável pela campanha que desaguou em sua reconstrução. O prefeito é Ary Bahia. O médico Christiano Otoni, que foi prefeito por dez anos – na totalidade do Estado Novo – tinha se elegido vereador em 1947, pela UDN. Em 1958, muda de partido e vai para o PSD, arqui-inimigo de seu primeiro partido.

Dr. Christiano, na praça Dr.Senra, em 1951

Nada a estranhar já que pular de partido sempre foi uma prática comum aqui em Pedro Leopoldo, desde seus primórdios. Matéria do site AQUI PL, do dia 15/5/2020, mostra que, nas eleições municipais deste ano, mais de 200 candidatos estão registrados em 14 partidos com chapa completa.

Nesse emaranhado de agremiações, fidelidade partidária é rara. Tem gente que entra e nunca mais sai, caso de Tadeu que, desde sua eleição para vereador em 1967, está no MDB. Já outros políticos mudam de partido a cada eleição, fazendo das agremiações políticas apenas trampolins para acordos muitas vezes inconfessáveis, diz a reportagem, listando vários casos de políticos que mudaram de agremiação partidária ao longo de suas tentativas de se eleger.

Os anos 50 em Pedro Leopoldo trazem como novidade na política o início do fim do monopólio exercido pelas famílias tradicionais. Mas, no ano de 1950, o prefeito eleito ainda foi um Belisário, Roberto, que derrotou Caetano Carvalho. Acordos políticos tentam viabilizar uma certa diversidade política, que funciona apenas na fachada, com o rodízio dos partidos no poder. Sebastião Lopes Diniz, o Tinoco, era do PTB e é eleito em 1954. O combinado é que ele seria sucedido por Múcio Carvalho, da UDN.

Não deu certo. Antonio Dias e o mesmo PTB levam a prefeitura em 1958, com acusações de traição pipocando por todos os lados. 1954 é o ano em que o emblemático César Julião de Sales começa sua carreira política como vereador, pelo PSD. Em 62, tentaria pela primeira vez a prefeitura, que ocuparia por três mandatos nas décadas seguintes.

Mas uma revolução se anunciava. No mundo e em Pedro Leopoldo. É o progresso, a começar dos costumes, mostrado nos filmes do Cine Central e que sequer arranha o conservadorismo e a moral rígida das famílias pedro-leopoldenses – pelo menos em público, é claro. Mas o principal sinal de evolução viria com a nossa segunda revolução industrial, baseada nas cimenteiras, e que dá seu primeiro passo com o lançamento da pedra fundamental da Cauê, em 8 de junho de 1953.

Um ano de paz

Depois das tragédias quase sucessivas representadas pelas duas guerras mundiais, 1953 pode ser definido como um ano de paz. O Brasil vivia sua primeira democracia com Getúlio Vargas, presidente pela segunda vez e ainda “sem sair da vida para entrar na história”, como escreveria tragicamente no ano seguinte, ao se suicidar.

Este é o ano em que é descoberta a estrutura química do DNA, passo definitivo rumo ao desvendamento do código genético humano, que se completa em nossos dias. Em Pedro Leopoldo, é lançada a pedra fundamental de uma fábrica de cimento, que iria produzir um insumo fundamental para o Brasil que crescia. O empreendimento teve à frente o empresário Juventino Dias, um homem de origem pobre, de pouco estudo, mas bastante ousadia.

Coronel Teotônio Batista

Seu parceiro foi o “coronel” Teotônio Batista de Freitas, dono das duas fazendas que abrigavam a mina Manoel Carlos, de onde a Cauê exploraria o calcário para a fabricação de cimento. Delegado de polícia, presidente da Associação Comercial e dono de fazendas de gado, sua principal atividade era a queima de cal. Tinha três fornos e era um dos grandes fornecedores da Belgo Mineira.

Teotônio nasceu em uma fazendinha, perto de Vespasiano, chamada Pau d’Arco. Ele morou no estado do Rio, na cidade de Sapucaia, onde se casou e teve os três primeiros filhos. Celso Cardoso, que foi chefe do escritório da fábrica disse, em 2003, à revista AQUI PL – edição especial de 50 anos da Cauê – que o coronel “tinha a visão de que a cal seria superada pelo cimento e, desde 1925, tinha vontade de construir aqui uma fábrica”.

Encontrou em Juventino o parceiro ideal. Empresário do comércio, indústria – a cidade industrial de Contagem foi batizada com seu nome – bancos, entretenimento, Juventino Dias tinha 63 anos quando fundou a Cauê. Com oito, vendia canivetes. Só aprendeu a ler com 12 anos.  No lançamento da pedra fundamental, perfilou-se no palanque junto às celebridades do seu tempo: o arcebispo Dom Cabral, o governador Juscelino Kubtischeck, secretários de estado, titulares da Associação Comercial, Bolsa de Mercadorias e outras instituições.

Representando Pedro Leopoldo, o coronel Teotônio, o prefeito Roberto Belisário Viana, o padre Sinfrônio Torres de Freitas, ao lado, é claro, de um bom número de orgulhosos moradores. Pedro Leopoldo tinha então menos de 15 mil habitantes. JK voltaria à cidade em 1956, já como presidente da república, para inaugurar a fábrica, ao lado do governador Bias Fortes.

A loja de eletrodomésticos Rafael & Cia, de Nonô Rafael, na rua Dr. Herbster, no início da década de 50. De lá saíram nas décadas seguintes as primeiras TVs, geladeiras, radiolas e máquinas de costura para os lares de PL. “Mãe conta que Chico Xavier ficava lá escutando música clássica no rádio e quando a loja fechava e era dia de jogo, Dr. Rocha, Vô Alexandre e pai ficavam lá dentro assistindo os jogos”, registra Patrícia Rafael, filha de Nonô.

A cidade cresce e aparece

Em 20 de julho de 53, é inaugurado o Bar Elite, de José Gonçalves Vieira e Dimas Pires de Araújo. O bar teria uma segunda edição e seria um sucesso na década de 70, sob a direção de Adelso Neri Lopes. No ano seguinte, é fundada a Umespl, União Municipal dos Estudantes Secundários de Pedro Leopoldo, onde iniciaram a vida política vários dos estudantes do Ginásio. Entre eles Ângelo Tadeu, que fez o seguinte depoimento em sua página do Facebook:

Fui fundador e presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Pedro Leopoldo, com efetiva participação nos movimentos estudantis, entre eles a estadualização do Colégio Imaculada Conceição. Realizei o 1º Seminário de Estudantes de Grau Médio de Minas Gerais, quando aqui estiveram presentes mais de 200 estudantes, cada um representando uma cidade da nossa Minas. Na mesma época, também fui vice-presidente da União Colegial de Minas. (01/6/2020)

 

Em 11 de dezembro do mesmo ano, é inaugurada a Cooperativa Agropecuária São Sebastião, a segunda da cidade que, por muitos anos, funcionou na praça Dr. Senra com rua Christiano Otoni.

 

As filhas de Antonio Elias e Rita Viana, grandes fazendeiros de Dr. Lund, em festa no sítio de Helena, em 1956 (cortesia Carlos Aníbal Almeida)

 

1956 é um ano agitado na cidade. Logo em janeiro, abre as portas o Jardim de Infância Luiz de Melo Viana Sobrinho; dois dias depois, é fundada a Associação Rural e, em 15 de março, Pedro Leopoldo ganha o Cine Marajá. A luxuosa casa de espetáculos de Alexandre Jorge e Pedro Siqueira, como as melhores de sua época, tinha tela de cinemascope e som estereofônico.

O filme inaugural foi “O Pirata Sangrento”, estrelado por Burt Lancaster. Ele tinha sido lançado em 1952, para se ter uma ideia do tempo que os filmes demoravam a chegar aqui. O Cine Marajá hoje é uma pequena sala de 80 lugares, sob a direção de Edson Jorge que, aos 90 anos, é o exibidor mais antigo do país. O cinema é um dos poucos existentes em uma cidade do porte de Pedro Leopoldo.

Em 18 de maio, dá-se a inauguração oficial da Companhia de Cimento Portland Cauê. Seja pela movimentação de pessoas diferentes durante sua construção ou pela oportunidade de emprego para muitos trabalhadores que aqui chegavam, todos perceberam mudanças na rotina da cidade. Durante a construção e a montagem, o número de funcionários passava de mil.

O presidente JK, o governador Bias Fortes, Juventino Dias e Assis Chateaubriand, na inauguração da Cauê

Com a inauguração, aí é que as coisas mudaram mesmo. Um exemplo é a instalação da Caixa Econômica Federal, no mesmo ano. O primeiro gerente foi Claudovino Pereira, o Sô Vino. Na década de 60, a indústria do cimento passou a ser a principal fonte de divisas para o município. Já em 1958, a Cauê contribuía com mais de 60% da arrecadação e, quando começou a operar, contava com mais de 600 funcionários.

Em 1957, ergue-se a capela São Sebastião e é fundado o Clube Social que, no entanto, só começa a funcionar cinco anos depois, em 1962. As novidades aparecem aqui e ali, nos vários segmentos da sociedade.

Time profissional do Pedro Leopoldo F.C.

 

Em 1958, o time do Pedro Leopoldo Futebol Clube torna-se profissional pela Federação Mineira de Futebol, um marco na história de uma cidade doida por futebol. E que só aumentou a rivalidade explícita do time com o Esporte e o Industrial. No final da década, a Cauê também cria um time.

Como resultado do grande número de funcionários da indústria que surgia na cidade, em 1958 Pedro Leopoldo recebe a agência do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI). Ainda neste ano, começa a operar a rádio Cauê, que foi um sucesso nas décadas seguintes, com uma ampla e variada programação local. Era a ZYV-61, “uma voz entre as montanhas de Minas para o Brasil”, um empreendimento do advogado Luiz Carlos Sena Jerônimo e José Ronald Viana.

No final do ano, o escrevente datilógrafo Francisco de Paula Cândido Xavier consegue, através do ato 1614 do Ministério da Agricultura, sua transferência para Uberaba. Apesar da presença de Chico Xavier, até a década de 50, só existia um centro espírita em Pedro Leopoldo,o Luiz Gonzaga, fundado pelo médium em 1928. Somente em 1952, foi criado o Meimei, seguido pelo Scheila, que tinha à frente Zeca Machado, colaborador de Chico Xavier.

A convivência entre católicos e espíritas era harmoniosa, sem perseguições ou pregações contra Chico, o que faz cair por terra a versão, muitas vezes levantada, de que sua partida para Uberaba, no final da década, se devesse a algum tipo de conflito religioso.

São várias as versões: fala-se em problemas de saúde, da presença incômoda de familiares mal-intencionados explorando a procura pelo médium e até mesmo a falta de privacidade que Chico tinha na pequena cidade. Certo é que, em janeiro de 1959, aos 49 anos, ele se transferiu para Uberaba, a 500 quilômetros de sua terra natal, onde viveu até 2002, ano de sua morte.

Fontes de informações e fotos: Arquivo Geraldo Leão, Memória Histórica de Pedro Leopoldo (1994/Marcos Lobato Martins), Memória Histórica de Pedro Leopoldo (2015/José Issa Filho), A verdadeira história da origem de Pedro Leopoldo (1995/Elysio Alves Gonçalves Ferreira), Esta Pedro Leopoldo, fatos, coisas e pessoas da minha cidade (1995/Osvaldo Gonçalo do Carmo) revista e jornal AQUI PL, página no Facebook Pedro Leopoldo e sua História, sites sobre história das Ferrovias, política de Minas e prefeitura de Pedro Leopoldo

 

Bianca Alves

Criadora e editora do projeto AQUI PL, é formada em Comunicação Social pela UFMG e trabalhou em publicações como os jornais O Tempo, Pampulha, O Globo; revistas Isto é, Fato Relevante, Sebrae, Mercado Comum e site Os Novos Inconfidentes

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