Mercado versus fascismo no Brasil, eis a nossa derrota

Mercado versus fascismo no Brasil, eis a nossa derrota

Em 1989, Francis Fukuyama afirmou que, com a queda do Muro de Berlim havíamos chegado ao “Fim da História”, parafraseando a teoria de Hegel no século XIX, mas com outro contexto. O pensador americano chegou a essa conclusão acreditando que, com a hegemonia de apenas uma única superpotência – os Estados Unidos – o antagonismo de ideias, ideologias e mesmo a possibilidade de um enfrentamento militar teria chegado ao fim, junto com a Guerra Fria. A economia de mercado, a globalização e o novo liberalismo econômico, ou neoliberalismo, seriam as ideias dominantes do mundo a partir daquela data.

Ledo engano. Fukuyama esqueceu-se que o mundo não se resume à essa falsa dicotomia e que direitos fundamentais foram conquistados ao longo da história. Aqui é importante citá-los: Comecemos então pelos chamados Direitos de Primeira Geração, que são os direitos das liberdades individuais do cidadão perante o Estado – os direitos civis e políticos – faculdades e atributos do indivíduo que são oponíveis ao ente estatal.

Os Direitos de Segunda Geração, que são os chamados direitos coletivos, sociais, culturais e econômicos, característicos do chamado “Estado de Bem Estar Social”, tão bem dispostos na Constituição da República brasileira em seu artigo sétimo.  Os Direitos de Segunda Geração surgem exatamente da ideia de que, apenas as liberdades individuais perante o Estado não se sustentam, pois, se faz necessário, uma igualdade de oportunidades e direitos entre os cidadãos. É a igualdade material se sobrepondo a igualdade formal.

Os Direitos de Terceira Geração são os que formam e o que compreendemos hoje como “O Estado Democrático de Direito”. Junção dos direitos de primeira e segunda geração e baseados no humanismo e nos direitos humanos. Os Direitos de Terceira Geração são os direitos ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação plural e aberta e o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade. Pode-se ainda falar também de Direitos Fundamentais de quarta e quinta gerações, como o direito à democracia e á pluralidade da informação.

É importante conhecer e reconhecer esses conceitos históricos da formação constitucional dos Estados Nacionais, com a conquista dos direitos fundamentais, para a compreensão do que se passa no Brasil desde sempre, ou, para se pegar um recorte menos amplo, desde 1989, quando Fukuyama apregoou o fim da História. Entretanto, com a volta do fascismo, antes integralista de Plínio Salgado nos anos 30 e agora bolsonarista do século XXI, uma disputa que antes ficava caracterizada pela tentativa de predominância de um Estado Liberal sobre um Estado de Bem Estar Social, agora, tem como base um terceiro elemento que quer eliminar todos os direitos de primeira, segunda e terceira gerações.

Nas eleições presidenciais de 1989, 94, 98, 02, 06,10 e 14, bem como nos governos apresentados pelos vitoriosos, em maior ou menor grau, já que no Brasil há o que se denomina como “presidencialismo de coalizão” – o eleito para o executivo não tem como conseguir  maioria no parlamento e por isso compõe uma maioria artificial através de cargos no executivo, empresas estatais e verbas parlamentares para garantir  a “chamada governabilidade do possível” – houve a predominância do liberalismo econômico, com a supressão de direitos característicos do Estado de Bem Estar Social, além de venda de estatais e canalização de recursos da União para bancos e mercado financeiro, com uma forte desindustrialização do estado brasileiro

Essa tendência foi maior nos governos Collor, Itamar, Fernando Henrique e Temer e menor nos governos ditos de esquerda, de Lula e Dilma. Nesses últimos, aliás, houve um substancial aumento de investimentos em programas sociais, com a diminuição da desigualdade social, uma tentativa de retomada da industrialização do país, via Estado com o financiamento de grandes empresas, principalmente da construção civil e diminuição (mas não eliminação) da supressão dos direitos de segunda geração. Enfim, nos governos Lula e Dilma tivemos um esboço da tentativa de implementação de um programa de governo social democrata no Brasil.

Com essa atuação, o Partido dos Trabalhadores, com Lula e Dilma, conquistaram vitórias nas eleições de 02, 06, 10 e 14, com forte oposição do mercado financeiro ( a despeito de enorme lucro no período) e da mídia local, tendo a rede Globo a frente, que iniciou um processo de desconstrução da imagem do PT, de Lula e Dilma, que culminou com o patrocínio midiático da operação Lava Jato, que levou Lula á condenações criminais controversas e Dilma a perda do mandato presidencial em um suspeito processo de impeachment.

O consórcio Mercado Financeiro/Globo/Lava Jato, tinha como tarefa principal trazer de volta ao poder o projeto de supressão dos direitos de segunda geração – eliminação de direitos trabalhistas e previdenciários principalmente – venda e concessão de patrimônio público e priorizar o mercado financeiro com grande parte do orçamento, senão a maior, voltada para o pagamento de juros da dívida pública. Para a execução desse projeto a aposta desse consórcio estava na vitória do PSDB de Fernando Henrique, Serra e Aécio Neves, nas eleições presidenciais de 2018.

Entretanto, o PSDB, por linhas transversas também sofreu em menor grau, assim como todos os demais espectros políticos, o resultado do bombardeio do consórcio Globo/Lava Jato. Da negação da política surgiu um falso “não político”, que na verdade deveria ser chamado de “não política” porque de fato é a síntese da negação da política enquanto democracia.

Jair Messias Bolsonaro é o nome escolhido para um projeto de poder baseado em um Estado de Exceção autoritário e autocrático, que prega a eliminação de seus oponentes. Um Estado que tem como guru o astrólogo Olavo de Carvalho, baseado em uma guerra cultural que tem como meta a destruição de todos os Direitos de Primeira, Segunda e Terceira Gerações. Essa teoria obscurantista é baseada em um livro produzido pelas forças armadas na década de 80. Orvil é o nome da peça que traça as diretrizes do governo Bolsonaro em como destruir qualquer possibilidade de um Estado Democrático de Direito no Brasil e construir um obscuro e autocrático Estado de Exceção.

A ideia central do livro e, por consequência, do governo bolsonarista, é a seguinte: No século XX aqui no Brasil, aconteceram três tentativas fracassadas de implementação do comunismo. A primeira com a intentona comunista de 1935, a segunda após o suicídio de Getúlio Vargas, abortada com o golpe militar de 1964 e a terceira com a luta armada que ocorreu no Brasil nos anos sessenta e setenta. Todas essas três tentativas foram derrotadas pelas forças armadas brasileiras (Olavo de Carvalho afirma que foi a sociedade civil que abortou essas tentativas, ele não confia nas forças armadas e prega a formação de uma espécie de “milícias patrióticas” para a tomada do poder no Brasil).

Entretanto, desde a metade dos anos 70, segundo essa teoria, a esquerda mudou a sua estratégia e passou a focar na conquista do Estado brasileiro para a implantação do comunismo no país através do domínio pelo aparelhamento da cultura, das artes e das universidades. Essa estratégia estaria alcançando sucesso com a conquista de corações e mentes dos jovens brasileiros. Quando Jair Bolsonaro afirmou que muita coisa necessitava ser desconstruída no Brasil, para depois ser reconstruída, ele se referia a esse “domínio” que seu grupo acredita existir.

Para que o triunfo contra a tentativa de implementação do “comunismo no Brasil’, segundo o bolsonarismo, aconteça, este se dará através do confronto armado e da eliminação de todo e qualquer inimigo. Em um primeiro momento, essa eliminação acontece através das redes sociais, pelo gabinete do ódio que controla a rede bolsonarista de desinformação, destruindo a reputação de todos os opositores de Jair Bolsonaro. “Todos que não estão com Jair Bolsonaro são inimigos e comunistas e devem ser eliminados”. Nesse primeiro momento, a eliminação é a de reputações. Em um segundo estágio, a meta é a eliminação física. Por isso as manifestações pela volta da ditadura e do ato institucional de número 05.

Só que essa volta não pode ser com os militares à frente. Segundo Olavo de Carvalho, o oficialato das forças armadas não é confiável. A ideia central está sim, na formação de milícias de extrema direita, através do armamento da população e do aproveitamento dos simpatizantes de Bolsonaro entre as polícias militares dos estados e dos praças de exército, marinha e aeronáutica.

A implementação de um estado de exceção nesses termos não serve ao mercado financeiro, que agora sabe que a política ultraliberal de Paulo Guedes foi e é apenas uma forma de “aliança” de momento, que foi fundamental para a vitória nas eleições de 2018. Percebendo esses movimentos, o mercado, através da mídia dominante (rede Globo a frente), iniciou com força total a tentativa de derrubada do governo bolsonarista. A saída de Sérgio Moro do ministério da justiça abrindo ataque ao governo é só o começo. O consórcio Mercado/Globo/Lava Jato nunca se desfez.

Nessa disputa, os direitos de primeira, segunda e terceiras gerações conquistados pelo povo, ao menos na teoria, dispostos nas Constituição, correm enormes riscos. Já a esquerda, que o bolsonarismo tem como inimigo, cumpre neste exato momento o mero papel de coadjuvante, sem qualquer poder de reação, abatida que foi pela Globo/Lava jato. Acredito que o mercado financeiro saia vencedor desse embate destituindo o bolsonarismo do poder, mas não será uma vitória fácil e trará seqüelas. O fanatismo de extrema direita fascista veio para ficar no Brasil. Infelizmente.

 

Matheus Borges

Matheus Campos Borges, Servidor Público Estadual, graduado em Jornalismo e Direito com especialização em Direito Civil e Processo Civil.

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