Uma crônica encantadora: Luiz Kuchenbecker descreve a chegada de Sérgio Bogado a PL para criar o Lanara

Uma crônica encantadora: Luiz Kuchenbecker descreve a chegada de Sérgio Bogado a PL para criar o Lanara

CRÔNICAS DA FAZENDA MODELO: “SOMBRAS”

Luiz Kuchenbecker, sob o pseudônimo de  Theodiscus

Sérgio Coube Bogado, com o fardão da Academia Brasileira de Medicina Veterinária, da qual foi vice-presidente

É tão recente, parece que foi ontem. Não posso precisar o dia, mas a data em si talvez não seja importante, vale o fato, o acontecimento. Sei que foi pela manhã, durante o primeiro expediente. Estávamos no escritório da sede da Fazenda Modelo, éramos três ou quatro funcionários, cheios de desânimo e carregados de desilusões, mas tentando ainda manter a rotina dos trabalhos da repartição, cujo fim parecia próximo, pois notícias chegavam de que seria doada ou transferida para a prefeitura ou Sindicato Rural, a exemplo de outras dependências do Ministério da Agricultura.

Ele chegou de repente, apenas com alguns rolos de papel debaixo do braço. Apresentou-se e disse que desejava conhecer a fazenda, pois estava em missão oficial para determinar a localização de um grande laboratório. Sua visita foi rápida e tive a oportunidade de mostrar-lhe, apenas ligeiramente, as dependências e áreas da Fazenda.

Tendo visto o que desejava, despediu-se de cada um de nós, funcionários ali presentes. Notei no seu semblante um certo ar de satisfação.  Foi embora sem deixar maiores informações, ficando por nossa conta especulações e conjecturas. Mas não nos preocupamos nem conjecturamos coisa alguma pois, como disse, estávamos desanimados e desiludidos.

Víamos abortar tantos projetos de recuperação da Fazenda Modelo e este seria apenas mais um, talvez o ultimo, antes que fosse passado seu atestado de óbito. Nosso comentário foi apenas sobre o personagem, e nisso, todos unânimes: o homem é pródigo em palavras, como fala!

Não se passaram muitos dias e ei-lo de volta, agora com tempo para uma conversa mais demorada. Disse-nos que era veterinário do Ministério da Agricultura, que trabalhara em laboratórios nos estados do Rio e do Paraná, encontrando-se, no momento, afastado do cargo por estar prestando seus serviços à Organização Panamericana de Saúde, na qualidade de consultor.

E, como tal, aqui se encontrava a serviço, coordenando o projeto para instalação no Brasil, através do Ministério da Agricultura, do Instituto Nacional de Saúde Animal, cuja localização já havia decidido, seria em Pedro Leopoldo, na Fazenda Modelo.

Com a verbosidade que já notáramos quando de sua primeira visita, explicou-nos, com mais detalhes, as finalidades e amplitudes do projeto e suas consequências para a política agrária do país. Falou ainda sobre as oportunidades para os servidores da Fazenda e da comunidade em geral.

Nesse primeiro contato mais demorado, começamos a sentir que muito maior que sua prodigalidade verbal, era sua exuberante capacidade de irradiar simpatia e difundir otimismo.

Ao despedir-se pela segunda vez, depois desse contato mais longo com a Fazenda Modelo e seus funcionários, prometeu estar de volta muito em breve com toda família e lançou sobre nós raios de esperança, esperança de dias melhores para a Fazenda Modelo.

Conforme prometera, não demorou muito e aqui estava, de mala e cuia, com toda a família. Instalou-se, provisoriamente numa casa da área residencial da Fazenda Modelo, passando, posteriormente, para a Casa do Ipê, comumente chamada a “Casa Grande” e, na qualidade de consultor e coordenador, assumiu o comando. Suas atividades foram intensas. De inicio, parou pouco em Pedro Leopoldo. Eram constantes suas viagens à Brasília e São Paulo, onde se desenvolvia o projeto.

Dentro em pouco, vimos surgir na várzea do retiro da aviação o canteiro de obras, dando início à construção do complexo hoje denominado Lanara.

À medida que as obras se desenvolviam, multiplicavam suas atividades. Foram inúmeras viagens ao exterior, em busca de subsídios técnicos junto aos melhores laboratórios e, por incrível que pareça, travou verdadeira batalha perante nossos órgãos oficiais, visando evitar o desvio de recursos.

Não fosse sua excepcional habilidade e admirável espírito público, as obras do Lanara teriam sido paralisadas quando já se encontravam em fase de conclusão. Embora ordens superiores determinassem a completa desativação da Fazenda Modelo, concentrando-se todos os recursos na construção do Lanara, não permitiu que fosse extinto todo o rebanho, conservando parte dos animais para atender à futuras necessidades do Laboratório. Outras atividades da Fazenda também foram mantidas com a mesma finalidade.

Amante da natureza, incentivou o plantio de árvores e procurou preservar o que restava da Fazenda Modelo. Integrou-se logo à sociedade local. Integrou-se e entregou-se de corpo e alma, destacando-se sua atuação no Lions Club, que presidiu com dinamismo contagiante. Homem íntegro, não usufruiu de mordomias que talvez seu cargo lhe permitisse, pelo contrário, deu mostras de probidade, realizando, à suas expensas não só a conservação, mas o melhoramento dos próprios imóveis (que chamávamos de “nacionais”, por serem patrimônio nacional) que ocupou como residência.

Durante a construção do laboratório, muitas foram as visitas de autoridades e técnicos, brasileiros e estrangeiros, e a todos ele recebia com esfuziante entusiasmo. Recebia-os nas obras e os recepcionava em sua residência, sempre às suas expensas, pois até mesmo os serviçais domésticos eram contratados por sua conta.

Na Casa Grande, deixou plantado um pomar com mais de duzentas fruteiras e um florido jardim, que sua esposa cuidava com carinho e dedicação, sem qualquer ônus para a repartição. Completando seu tempo de serviço no Ministério da Agricultura, aposentou-se, continuando, porém, suas atividades na Organização Panamericana de Saúde, prestando seus valiosos serviços ao Lanara.

Se por um lado a sua capacidade técnica, e sua capacidade de trabalho, a sua natural liderança, o seu elevado espírito patriótico e o seu grande amor pelo Lanara, como sol brilhante, irradiou calor e projetou luz, por outro lado ofuscou astros menos brilhantes e projetou sombras em pretensões menores. Da obscuridade nasceram intrigas que, se o levaram, desprendidamente, a renunciar ao cargo, não diminuíram, contudo, o seu amor pela causa.

Por mais denso que seja o nevoeiro, o sol sempre brilha. Logo após seu desligamento do Lanara, vimos a sua capacidade reconhecida, contratado que foi por governo estrangeiro, para prestar seus serviços de consultoria em assuntos biológicos a um país da América Central.

A criação do Lanara foi o derradeiro sopro nas chamas que lentamente vinham consumindo a Fazenda Modelo, de tantas tradições, mas de suas cinzas, como a Fênix dos poetas, vemos renascer na forma desse belo laboratório, que com o espírito, continuará servindo à pecuária brasileira. Sem sombras de dúvidas, cabe a esse insigne cidadão honorário de Pedro Leopoldo as honras dessa iniciativa.

Redação

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