Pelé: as confissões e o sofrimento do atleta do século XX

Pelé: as confissões e o sofrimento do atleta do século XX

Agência Brasil/Walter Campanato

Por Adalberto Ferraz

Pelé comemorou seus 79 anos em outubro do ano passado e tem se internado diversas vezes no hospital nos últimos anos. “Ele está com esse problema de mobilidade, que acaba acarretando uma certa depressão. Não consegue andar normalmente, só com o andador. Até melhorou um pouco em relação a essa época recente (em que apareceu de cadeira de rodas), mas ainda tem bastante dificuldade para andar”, acrescentou o filho do tricampeão do mundo. “Imagina, ele é o rei, sempre foi uma figura tão imponente e hoje ele não consegue mais andar direito. Ele fica muito acanhado, muito constrangido com isso”, acrescentou Edinho.

As aparições públicas de Pelé, considerado o maior jogador da história pela maioria absoluta de quem vive o futebol (eleito Atleta do Século por 20 jornalistas internacionais, a convite do L’Equipe, o mais importante jornal de esportes da Europa), são cada vez mais raras. Em abril
de 2019, ele foi a Paris para participar de um evento comercial com o jovem craque francês Kylian Mbappé, mas teve que ser hospitalizado devido a problemas renais.

Pelé só tem um rim desde os tempos em que ainda era jogador. Uma costela quebrada durante uma partida atingiu seu rim direito, que acabou sendo removido. Pelé se depara a cada hora, com o grande drama humano: a incerteza da vida. Nós o entrevistamos – ele que é o mineiro mais famoso do mundo – ao voltar para casa, após uma dessas internações.

Sim, falamos com Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Na época de nossa conversa, estava saindo de um período de 16 dias no hospital. No período em que ficou no Albert Einstein, houve um alvoroço internacional, com jornalistas do mundo inteiro querendo notícias do
seu estado de saúde. Estavam em busca de notícias de um atleta que se aposentara havia mais de 40 anos. Não parece um absurdo? Sim, parece. Mas não é, pois se trata de Pelé, o maior atleta da história dos esportes, em todo o mundo.

Então, me lembrei de um fato ocorrido há algum tempo com Pelé. Um jornalista brasileiro o desafiou a descer do hotel em Nova York e andar pela Quinta Avenida, para ver por quanto tempo ele poderia andar na rua sem ser reconhecido. Três décadas depois de ter abandonado os gramados, Pelé precisou de apenas dezesseis segundos para ser reconhecido por um africano.

Em questão de minutos, o tumulto estava formado: pedidos de autógrafo, espocar de flash, assédio de admiradores. Pelé teve de voltar para a van. Qual outra celebridade seria capaz de criar um alvoroço numa das principais avenidas da cidade que é tida como a capital do planeta? O mesmo jornalista que tentou passear com o rei nas ruas de Nova York, Geneton Morais Neto, lhe indagou, já de volta ao hotel:

– Você já passou um dia sem dar autógrafo?
– Digo com toda honestidade: só quando não saio de casa. Em casa, ainda tenho de assinar cheques para fazer pagamentos. Depois desta fase de Pelé – ou seja, desde a Copa de 1958 – não me lembro de ter passado um dia sequer sem ter dado autógrafo. Não me lembro!

Aqui, algumas das revelações que o Rei fez para MatériaPrima.

Maracanazo: poucas lembranças

Meu pai era um jogador de futebol em 1950 e convidou alguns amigos para ouvir a final do Brasil contra o Uruguai num rádio, lá em casa. Eu estava na rua, brincando com outras crianças. Havia muito barulho na sala, eu ouvia lá de fora. Pouco a pouco o barulho foi diminuindo, até que houve um completo silêncio. Entrei nacasa para ver o que estava acontecendo e meu pai disse: “O Brasil perdeu a Copa”. Para as crianças foi um choque, mas nada comparado com o que significava para o meu pai. Eu vi chorar e, no entanto, ele sempre me dizia que os homens não choram. Eu disse: “Não se preocupe, um dia eu vou ganhar uma Copa para você”. Foi um momento muito triste.

A vitória na Suécia
Na Copa do Mundo de 1958 os nossos adversários não sabiam muito sobre nós. Eles não sabiam quase nada, pois nem se televisionavam os jogos. Só muitas décadas depois que se conseguiu montar um filme completo da nossa vitória. Na semifinal contra a França, havia uma grande expectativa. As pessoas me perguntam hoje se foi realmente um jogo difícil. Ora, na época eu tinha apenas 17 anos e não me sentia responsável por tudo, mas apenas um jogador como os outros. Em 1970, sim, houve uma pressão muito forte. A França foi o melhor time da Copa de 58 e não se pode esquecer que ela jogou com um atleta a menos contra o Brasil, pois ainda no primeiro tempo um francês se machucou e não podia ser substituído. Depois que a vencemos, tínhamos certeza de que seríamos campeões.

Um Rei de verdade
Quando vencemos a final, eu não sabia o que fazer. Apenas chorei. O rei da Suécia veio nos ver. Eu não tinha ideia do que dizer a um personagem tão importante, nunca tinha visto um rei na minha frente, exceto no cinema. Tudo o que euqueria saber era se as pessoas no Brasil sabiam que tinha ganho a Copa. A melhor parte foi quando chegamos em casa. Houve um carnaval, e meu pai e as pessoas em todos os lugares vinham ao nosso encontro. Em 1958 tivemos a melhor equipe da nossa história. Mas a de 1970 foi mais organizada.

Nunca humilhe os adversários
Num certo dia, ainda menino, eu tentei humilhar meus adversários com dribles desconcertantes. Meu pai me chamou num canto e disse: “Você está sendo injusto com os outros jogadores, pois está usando para o mal esse dom divino que você recebeu”. Ele disse também para eu ser humilde, continuar aprendendo e nunca pensar que era o melhor. Ele me disse ainda para aproveitar esse dom, sem nenhum medo.

O desastre da Copa de 66
Eu me machuquei (na Copa da Inglaterra) e fiquei em campo apenas para completar o time, pois não se permitia substituição naquela época. É quase impossível um time ganhar com um jogador a menos. De certa forma, bebemos o mesmo veneno dos franceses em 1958, quando perderam um jogador por contusão, e enfrentaram os brasileiros com um a menos.

Os meus gols
Fiz gols belíssimos em jogos sem importância e gols absolutamente comuns em jogos fundamentais. Foram os gols da Suécia que construíram minha reputação. Eu tenho mais de mil gols, mas a maioria das pessoas se lembra dos gols que não marquei, como aquele contra o Uruguai, na Copa de 70.

Quatro jogadores, um mesmo time
Na copa de 70, no México, o Zagalo colocou quatro jogadores que atuavam na mesma posição. Todos jogavam em seus clubes com a camisa 10. Éramos eu, o Tostão, Gérson e Rivelino. Muita gente falou que isso não iria funcionar. Muitas pessoas pensam que a camisa número 10 é especial, mas, em 1958, eu tinha a número oito. Eu recebi a camisa número 10 depois de um empate. E Romário escolheu o número 11. O número 10 não é sempre especial.

Ser estrela não é para todos
Todos os jogadores jovens querem ser estrelas e isso não é possível. Eles devem fazer parte de uma equipe. E o sucesso só virá quando se trabalha como parte dessa equipe. Onze estrelas num time? Não, nunca ocorrerá. Eu dei a camisa de meu último jogo a meu pai: ele tinha me
dado tudo.

Juízes de futebol
Árbitros são seres humanos e os seres humanos cometem erros.

Os adversários
Eu gostaria de ter jogado no mesmo time com o George Best. Beckenbauer, Moore e Facchetti foram os três jogadores mais difíceis que enfrentei, mas eles sempre atuaram de forma honrada. Eu fui duro em cada jogo que eu joguei, mas nunca fui desleal.

É difícil se retirar
Aposentar foi difícil. É difícil estar longe das emoções e multidões, mas eu estava no meu melhor. Isso foi um presente para mim. (Pelé se despediu da seleção brasileira em jogo no Maracanã, no dia 18 de julho de 1971, contra a seleção da Iugoslávia. O jogo terminou empatado: 2 a 2. Pelé deixou o gramado – chorando – sob o coro da torcida que pedia “fica, fica, fica”). Quando eu me olho no espelho, eu me lembro do meu pai, porque eu sou muito parecido com ele. Eu também me lembro o que ele disse quando eu comecei a jogar futebol. Meu pai sempre me incentivou a jogar. Ele disse. “O futebol é um dom de Deus, ele deu a você e você não tem que fazer nada, então agora você tem que praticar muito, você tem que respeitar as pessoas, não se esqueça de que o futebol vai durar até que você tenha 35 ou 40 anos, então você tem que viver de forma diferente, por que deve ir para a escola, aprender a escrever, estudar. Não pense que o futebol é tudo”. Eu sempre penso em meu pai e no que ele estava dizendo. Lembro-me sempre.

Meus três corações
Sempre digo, brincando que sou como a minha cidade Três Corações. Tenho um coração funcionando e dois na reserva. Agradeço a Deus por ter me dado grande saúde e ter esperado eu parar com o futebol para ter os problemas que todos têm. Mas estou me recuperando muito bem e estou tranquilo.

Mineirazo: sem explicações
Só Deus pode explicar o desastre que aconteceu naquele jogo. Eu disputei quatro Mundiais e conquistei três títulos. E, graças a Deus, uma surpresa como essa eu jamais passei.

Redação

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