A história de Pedro Leopoldo que contamos na Internet – capítulo 2

A história de Pedro Leopoldo que contamos na Internet – capítulo 2

A rua Comendador Antonio Alves, em 1930

No início da década de 30, Pedro Leopoldo pouco tinha mudado: continuava a ter em torno de seis mil habitantes na sede e na zona rural. Era uma pequena cidade com 19 vendas, dez bares, duas farmácias, oito açougues, três padarias, três hotéis e um cinema. Nenhuma das ruas tinha calçamento, inclusive a mais movimentada, a Comendador Antônio Alves (veja box no final da matéria).

Mesmo em tão modesta localidade, a década começou em grande estilo. O coronel José Belisário Viana, conhecido como Juca Belisário e um dos chefes políticos do jovem município, autoriza a construção de um campo de pouso próximo à Fazenda Modelo, para servir de base militar na revolução.

O país vivia então a chamada revolução de 30, movimento armado que tinha à frente Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul e que, em 24 de outubro daquele ano, depôs o presidente Washington Luís e impediu a posse do eleito Júlio Prestes. Ambos eram paulistas e a sucessão de um pelo outro interrompia a “política do café com leite”, que rodiziava na presidência políticos de São Paulo e Minas.

O movimento empossou o gaúcho Getúlio Vargas na presidência e pôs fim ao período conhecido como República Velha. Coincidentemente, no mesmo dia 24 de outubro, morre em Pedro Leopoldo Romero Carvalho, primeiro chefe do Executivo Municipal, cargo que ocupou de 1924 a 1927 como presidente da câmara dos vereadores.

Um campo de pouso em PLA resposta paulista à revolução de 1930 veio menos de dois anos depois com a revolução de 1932, movimento paulista contra Getúlio que ficou conhecido como Revolução Constitucionalista. Pilotos contra o levante pousaram em PL no campo de pouso construído pelo Coronel Juca Belisário, que ficava próximo à Fazenda Modelo. Na foto, Glória Belisário, Anita Castilho, Naé Barbosa e Dr. Zezé Carvalho (de chapéu preto), entre outros, junto aos pilotos Tíndaro e Montenegro.

 

Em 1930, a jovem cidade tinha 82 propriedades rurais registradas. A maioria, cerca de 65% delas, tinha até 5 alqueires, fazendinhas que atestavam uma estrutura agrária dominada por pequenas propriedades. Entre seis e 100 hectares, eram 34%.

No outro extremo, com mais de 100 hectares, havia apenas uma fazenda registrada, segundo o livro “Memória Histórica”, de Marcos Lobato – poderia ser a Busca Vida, com sede em Dr. Lund, cujas terras chegavam quase a Belo Horizonte. Não registradas estariam também grandes fazendas como as da Jaguara e do Quilombo, que tinham mais de 500 alqueires.

A grande cultura agrícola de PL nos primeiros sessenta anos do século passado foi o milho, registra Lobato. Era plantado junto ao feijão, arroz, alho, bananas e laranjas. Da fazenda da Jaguara, saíam diariamente, em 1932/33, dois ou três carroções de boi lotados de milho, que seguiam de trem para Belo Horizonte e, de lá, para o Rio de Janeiro.

Moinho Campestre

No início da década, começa a ser construído o Moinho Campestre na rua Dr. Herbster, empreendimento de João Evangelista da Silva e Filhos, que foi inaugurado em 1932. Ele beneficiava o milho produzido aqui, fabricando fubá, canjica, farinha de milho e fubá torrado.

A “fábrica” moía também arroz e o Café Campestre, cujos grãos vinham do sul de Minas pela estrada de ferro. As amplas instalações do Moinho Campestre abrigaram nas décadas seguintes bailes antológicos, em especial os de carnaval, e o espaço ficou conhecido simplesmente por “Fubá”.

Nesse período, começa a se desenvolver em PL a pecuária leiteira e de corte. A carne era exportada para São Paulo e Rio de Janeiro e começa também a industrialização do leite produzido nas fazendas do município. Uma manteiga fabricada na fazenda Busca Vida, de Antonio Elias da Costa, chegou a ganhar um prêmio numa exposição nacional no Rio de Janeiro: era a afamada Narceja, que fez história nos anos 30 e 40.

Todos esses produtos tinham um primeiro destino: Belo Horizonte, a jovem capital do estado que, a partir dos anos 1930, cresce e se industrializa, gerando um mercado amplo e, o mais importante, próximo. E que absorveria não só os produtos agropecuários, mas também a brita, a pedra e a cal produzidas em Pedro Leopoldo.

Em 1933, é criada a Inspetoria Regional de Fomento da Produção Animal na Fazenda Modelo. No dia 1º de agosto de 1935, foi admitido na inspetoria o jovem Chico Xavier, então com 25 anos, que passou a desempenhar funções burocráticas como funcionário federal.

Segundo seu colega de serviço, o escritor e músico Osvaldo Gonçalo do Carmo (autor do hino de Pedro Leopoldo), Chico era exímio datilógrafo, conhecedor profundo da língua portuguesa e redigia sem rascunhar todos os ofícios, cartas e extensos relatórios endereçados às autoridades do Ministério da Agricultura.

No entanto, aquele que ficou conhecido como o maior médium do mundo tinha apenas o curso primário. Começou a trabalhar aos oito anos de idade, das três da tarde às 2 horas da manhã na Fábrica de Tecidos, seguindo a trajetória do pai e também da mãe, que perdeu muito cedo, aos cinco anos.

Seus pulmões sofreram com a poeira do algodão e ele foi trabalhar no comércio – sua renda era fundamental para ajudar em casa. Foi assim até entrar para o Ministério da Agricultura, onde se aposentou aos 35 anos de trabalho, em Uberaba, sem nunca ter tirado férias ou faltado ao serviço.

Chico Xavier encontra Emmanuel

Em junho de 1931, o médium Chico Xavier, então com 21 anos, tem seu primeiro contato com Emmanuel, seu guia espiritual de toda uma vida. A visão ocorreu às margens do Ribeirão da Mata, próximo ao açude da Fábrica de Tecidos, também conhecido como Capão.

Neste encontro, Emmanuel informa a Chico que ele teria de início a missão de psicografar trinta livros e que, para isso, teria que atender três condições: “disciplina, disciplina e disciplina”. No ano seguinte, Chico publica seu primeiro livro psicografado, “Parnaso de Além Túmulo”, uma coletânea de poesias atribuídas a poetas brasileiros e portugueses.

Dá início assim a uma trajetória de psicografias que chegaria a mais de 450 livros, que venderam mais de 50 milhões de exemplares, sendo o escritor brasileiro de maior sucesso comercial da história. Com um detalhe: ele cedeu todos os direitos autorais dos livros, em cartório, para instituições de caridade.

Entre 1935 e 1939, o médium psicografou os livros Cartas de uma morta; Palavras do Infinito; Crônica de Além-túmulo; Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho e Lira Imortal. Com Emmanuel, lançou Emmanuel (1938), A caminho da Luz e Há dois mil anos (1939).

Time de futebol na década de 30

Em 1933, dois times da cidade, o Sport Club e o Pedro Leopoldo Atlético Clube se fundem e se tornam o Pedro Leopoldo Futebol Clube. Seis anos depois, em 1939, o Sport voltaria a se organizar e torna-se mais uma força futebolística na cidade. Neste mesmo ano, é fundado o Industrial Esporte Clube. Para tanto time jogar, a cidade ganha no mesmo ano uma praça de esportes: com o nome de Dr. Geraldo Mascarenhas, ela é inaugurada em 25 de maio.

 

A política, a medicina e o hospital  

Dr. Cristiano Otoni

A primeira eleição para prefeito aconteceu em 1935. O candidato eleito foi o médico Cristiano Otoni Gonçalves Ferreira, filho de Ottoni Alves. Como se pode ver, prefeitos médicos não são uma novidade na crônica política da cidade. Sua administração foi a mais longa da história política de Pedro Leopoldo, se estendendo entre 1º de julho de 1935 e 7 de outubro de 1947.

Durante seu governo, Pedro Leopoldo teve uma interventora, como todos os municípios após o Estado Novo: em 1945, Elisa Alves Carvalho, Dona Zazá, assumiu os destinos do município. O interessante é que ela era irmã de Doutor Cristiano, ambos filhos de Ottoni Alves e netos de Antônio Alves, o fundador da fábrica.

Ottoni foi seguramente um dos mais atuantes moradores de Pedro Leopoldo, nos primeiros tempos da cidade. Foi diretor da fábrica, delegado de polícia, juiz de paz e até padre, pois cursou o seminário antes de se casar com Elisa, conhecida como Dona Elisa da Ponte.

Ele instalou o primeiro cinema, que teve seu nome; construiu a primeira usina hidrelétrica e doou o terreno para a casa paroquial, que abrigou o primeiro vigário, Padre José Ribeiro Bastos. Doou também o terreno para a construção do primeiro Hospital, o São João Batista, onde hoje é o P.A.

O hospital foi inaugurado em 1º de janeiro de 1936. Dr. Cristiano havia iniciado a campanha por sua construção treze anos antes, junto aos colegas Dr. Zezé e Dr. Rivadávia. Os recursos foram angariados através de doações de fazendeiros, leilões e barraquinhas, além da renda com os ingressos vendidos no Cine Ottoni.

Hospital São João Batista (ilustração Jucilene Martins)

O hospital tinha cerca de 50 leitos e era procurado por pessoas de várias partes do estado, em decorrência principalmente da fama adquirida por José de Azevedo Carvalho, o Dr. Zezé, como cirurgião. Filho de Romero Carvalho, fez Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro, como o colega Cristiano.

Dr. Zezé

“Vinha gente dos lugares mais distantes para ser operada por ele. E foram dias difíceis para os médicos. Eles precisavam de um poder quase sobrenatural para descobrir certas doenças e de contar com a ajuda de Deus para vencê-las. Naquele tempo não havia segurado do INSS e Dr. Zezé tratava de graça os mais humildes. Na sua pessoa, todos os doentes tinham muita fé…diziam que só de colocar a receita de D. Zezé no bolso sentiam-se curados, não necessitavam de comprar os remédios”, escreveu José Issa, em seu livro Memória Histórica do Reino de Pedro Leopoldo.

A bênção das instalações do hospital foi ministrada pelo padre João Luiz Espeschit – de origem alemã, ele era também engenheiro mecânico e muito rigoroso em relação a seus deveres sacerdotais: era um fervoroso anticomunista. Em 4 de julho de 1936, junto a uma turma de paroquianos, ele inicia sua própria campanha: desta vez para a construção da igreja matriz.

O comércio, a comunicação e a diversão

Dados de 1936 mostram que o comércio tinha expressiva participação de imigrantes, em especial portugueses e sírio-libaneses. Em estabelecimentos como o armazém Alves, Bahia e Companhia, passando pelo de José Pedro Filho e a loja de fazendas da Viúva Issa, Pedro Leopoldo tinha quase metade de seus comerciantes estrangeiros. E 70% deles eram sírio-libaneses, os “turcos”, como se dizia na época.

Em 1937, Dr. Cristiano Otoni coloca no ar as ondas da PY 4B-1, a primeira emissora de rádio amador da cidade. Seu pai, Ottoni Alves, é o primeiro presidente da Associação Comercial e Industrial de Pedro Leopoldo, fundada em 18 de dezembro de 1938. Segundo Marcos Lobato, Pedro Leopoldo “experimentou uma espécie de belle époque tardia na década de 1930 e até a segunda guerra”.

O movimento no Jockey Clube

Foi o auge do Cine Ottoni e do Jockei Club, além do campo de pouso que se tornou Aeroclube. O Jockey foi instalado em 1925. Localizado nas cercanias de onde é hoje o cruzamento da rua Esporte com a principal, atraía não só a alta sociedade pedro-leopoldense como também gente da capital, que acompanhava os páreos entre cavalos criados na região.

O footing reunia rapazes e moças na plataforma da Estação de trem, que ficavam passeando e paquerando até a passagem do trem das sete, conhecido como misto. Era ele chegar e todo mundo ia embora. A esse respeito, José Issa Filho escreveu, saborosamente, em seu “Coisas do reino de Pedro Leopoldo: “a sorte é que o misto, que tinha horário marcado para as sete, dificilmente passava antes das nove”. Em tempos de moral rígida, o atraso permitia mais tempo de diversão para os jovens pedro-leopoldenses.

Curiosidades

O nome da rua principal – A via principal de Pedro Leopoldo foi definida nas modificações urbanas que a cidade experimentou em 1902, quando quis se emancipar de Matozinhos e tornar-se distrito. A urbanização teve à frente políticos locais como Ottoni Alves e Romero Carvalho e técnicos com conhecimento na área, como o médico Dr. Senra e os engenheiros da Central do Brasil Lucas Neiva, Lassance Cunha e Herbster – cujos nomes precedidos de “doutor” denominaram ruas de Pedro Leopoldo.

A principal via do lugar recebeu o nome de seu mais importante pioneiro, o fundador da fábrica de Tecidos Antônio Alves. Nome este que perdurou até 1932, quando um diretor da Companhia Industrial, Antonio Barbosa Melo, valeu-se de um cambalacho para acrescentar o “comendador” ao nome da rua, o que criou uma das maiores confusões de nossa história. A história é contada pelo médico Elysio Alves Gonçalves Ferreira, filho de Ottoni Alves, em seu livro “A verdadeira história da origem de Pedro Leopoldo”. O tal comendador era pai do diretor e sobrinho de Antônio Alves. Sua “comenda” nada mais era, segundo Dr. Elysio, que uma medalhinha que ganhou por limpar a privada do imperador D. Pedro II, quando sua majestade aqui esteve em visita, nos estertores da monarquia.

Fontes de informações e fotos: Arquivo Geraldo Leão, Memória Histórica de Pedro Leopoldo (1994/Marcos Lobato Martins), Memória Histórica de Pedro Leopoldo (2015/José Issa Filho), A verdadeira história da origem de Pedro Leopoldo (1995/Elysio Alves Gonçalves Ferreira), Esta Pedro Leopoldo, fatos, coisas e pessoas da minha cidade (1995/Osvaldo Gonçalo do Carmo) revista e jornal AQUI PL, página no Facebook Pedro Leopoldo e sua História, sites sobre história das Ferrovias, política de Minas e prefeitura de Pedro Leopoldo

Acompanhe os outros capítulos desta história: Capítulo 1

 

Bianca Alves

Criadora e editora do projeto AQUI PL, é formada em Comunicação Social pela UFMG e trabalhou em publicações como os jornais O Tempo, Pampulha, O Globo; revistas Isto é, Fato Relevante, Sebrae, Mercado Comum e site Os Novos Inconfidentes

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