Recentemente, Igor Xadai redigiu um artigo no site AQUI PL a respeito de sua experiência ao participar da primeira reunião aberta do Movimento Pro-PL, que ocorreu no dia 3 de março no hotel Tupyguá. Tive a felicidade de comparecer à mesma reunião, e, aliás, tive até a oportunidade de discursar nela, fruto da dinâmica de grupo que envolveu a elaboração de propostas para a cidade, de maneira a se viabilizar a construção de um plano de governo que contemple a toda a população.
O texto, de uma forma geral, tem uma tônica crítica, acusando o discurso “antipolítica” do grupo de perpetuar o favorecimento que o aparato político-governamental do País e da cidade conferem às elites estabelecidas, ao invés de estimular a luta pela democratização da sociedade e pela inclusão da população menos privilegiada. A análise de Xadai está estruturada em quatro pontos, além de uma conclusão. Eu discordo dos dois primeiros, mas concordo com os dois últimos. Aqui vai minha análise ponto a ponto:
Ponto 1 – crítica à ideia de “Organização Apartidária”: Discordo por não ver problemas em organizações suprapartidárias, termo que considero superior ao “apartidárias”. A culpa não é dos movimentos que querem promover a renovação política, mas dos nossos sistemas eleitoral e partidário, que dificultam imensamente a criação de legendas ideologicamente consistentes e proíbe que as mesmas possam surgir em nível apenas regional num primeiro momento. Temos 33 partidos no Brasil? Temos. Isso significa que seja fácil criar uma legenda no Brasil? Não. Quase todas essas siglas surgiram de rachas internos, em que lideranças fortes se aproveitaram de seu capital político já existente para recolher quinhentas mil assinaturas, fundar diretórios em pelo menos nove unidades da federação e obter a aprovação do TSE. Uma exceção é o Novo, que foi criado com muito suor e sim, com muita gente endinheirada apoiando. O PT também foge à regra, mas apareceu durante a transição para a democracia, num contexto em que o cenário político e a legislação eram distintos do cenário atual.
A solução seria uma reforma partidária que permitisse às legendas começar de baixo para cima, e não de cima para baixo como é hoje. A fragmentação das nossas casas legislativas deve ser resolvida com uma cláusula de barreira que impede um partido de assumir cadeiras no Congresso se não obtiver acima de, digamos, 3% dos votos em escala nacional. O problema não é a facilidade (inexistente) de se criar um partido, mas sim a relativa tranquilidade com que eles podem eleger um ou dois deputados e se tornar parte do Congresso.
Ponto 2 – crítica à ideia de “Organização (falsamente) Democrática”: Discordo, porque não vejo problema nos fundadores terem conversado primeiro a portas fechadas, porque esse é o modus operandi necessário de qualquer coletivo que se pretende político. Antes de agir para acolher as demandas populares, é preciso estruturar essa ação. Planejar. E isso não se faz sem o diálogo prévio entre as lideranças do movimento.
E mais: em ciências sociais, fala-se muito da Lei de Ferro das Oligarquias, termo cunhado em 1911 pelo pensador alemão Robert Michels para designar a tendência de partidos de se tornarem mais hierárquicos, mais autoritários internamente à medida que eles tinham que se tornar competitivos nas eleições e na ação política de uma forma geral. A união faz a força e, para haver união, muitas vezes é necessário existir alguém no comando. Muita horizontalização pode levar à paralisia decisória e muita desavença interna prejudica o poder de barganha dos grupos organizados, afora que uma abertura excessiva torna o movimento vulnerável ao tráfico de informações estratégicas para facções políticas adversárias. Por mais que tenhamos apreço à democracia como forma de organização do Estado, não é muito viável impô-la como forma de organização interna das agremiações que disputam o controle do mesmo.
Pontos 3 e 4 – crítica a um discurso “Despolitizador do Povo” e à prática de uma “Narrativa Despolitizada”: Com isso eu concordo. Todo discurso político é ideológico, porque ideologia é o conjunto de valores, conscientes ou inconscientes, considerados positivos por uma sociedade. Alguns desses princípios podem até ser partilhados pela quase totalidade dos cidadãos, mas mesmo a unanimidade em torno de uma ideia não a torna menos “ideológica”.
A título de exemplo, a tese de que a educação deve ser de qualidade para todos, independentemente da capacidade de certa família de arcar com os custos de uma escola, advém de termos a igualdade de oportunidades como um princípio básico da sociedade ocidental contemporânea. Será que foi sempre assim? Não. Na Europa medieval, somente nobres e clérigos – sobretudo o segundo grupo – tinham acesso à educação formal e, para além deles, alguns cidadãos livres de sorte e dinheiro. Os servos eram em sua esmagadora maioria analfabetos e para a sociedade da época isso era perfeitamente aceitável. A Índia pré-colonial estava dividida em castas hereditárias. O grupo de profissões que alguém podia exercer ou o conjunto de parceiros com os quais era possível se casar eram determinados por esse sistema, e assim deveria ser, pois qualquer inversão de hierarquias se constituiria numa violação da ordem cósmica e divina. Era a ideologia hegemônica daquela época e daquele lugar, embasada na religiosidade hinduísta.
Nem tudo que diz respeito à educação formal, contudo, é consenso absoluto na nossa sociedade. Deve haver, dentro da escola, a discussão sobre identidades de gênero? E ensino religioso em escolas públicas, é necessário? Obrigatório ou não? Certo colégio privado de matriz religiosa pode ensinar a seus alunos o criacionismo e omitir o evolucionismo de Darwin? O comparecimento à escola deve ser obrigatório ou pais que comprovarem aptidão deveriam ter o direito de instruir seus filhos em casa?
É uma ilusão achar que essas divergências de ideias se encontram apenas em nível nacional ou estadual. Elas também podem ocorrer em cidades de pequeno porte como a nossa. Suponhamos que, para um município imaginário, haja estudos que comprovem haver maior retorno econômico em investir no centro, mas que também atestem que os resultados serão mais igualitários se o investimento público for distribuído por todos os bairros da cidade. O que priorizar, a eficiência ou a igualdade? E os serviços de saúde, devem ser terceirizados à iniciativa privada, prestados pela administração pública direta ou ainda, geridos de maneira democrática, com participação direta dos cidadãos?
Para essas e outras questões, pode-se até responder com o discurso “pragmático”, de que essas escolhas são complexas e que deve haver análises, cálculos e estudos de caso para que a decisão correta seja tomada. Pessoalmente sou muito simpático à ideia de política pública baseada em evidências.
Mas essas escolhas ainda devem ser orientadas por valores básicos e é importante que o Pro-PL divulgue os seus num manifesto curto para que cada cidadão possa se posicionar a respeito deles, unindo-se a esse grupo político ou procurando outro que lhe seja mais afim. Ajuda também o próprio movimento a orientar suas ações sem cair em dilemas paralisantes, viabilizando-se além de tudo a aplicação de sanções disciplinares a membros que agirem contra os princípios da organização. Além disso, essa tomada de posição ajudaria o grupo a se defender daqueles que venham a acusá-lo, com ou sem razão, de defender os interesses de alguma elite privilegiada.
Isso serve não só para o movimento que é alvo da polêmica, mas para todos os grupos políticos que atuem ou que venham a atuar em nossa cidade.