Nós éramos 30 meninos e meninas, com cerca de 12 anos, estudando no Ginásio Imaculada Conceição na década de 1950. A escola, criada por Padre Avelar e Clita Batista, entre outras pessoas, vivia seus primeiros momentos – fui da primeira turma. Dr. Paulo era o professor de Biologia e marcou uma prova, na qual exigia um livro inteiro como matéria. E deixou claro que seria exigente, mas flexível: “se ninguém souber responder às questões, darei outra prova”, disse.
Ora, nenhum de nós sabia o que era uma greve, mas interpretamos a “ameaça” ao pé da letra e, mesmo sendo uma turma séria e estudiosa, decidimos fazer uma espécie de boicote ao exame. Todo mundo recebeu a prova e ficamos quietinhos, sem responder nada. Lembro que a prova era facílima, mas como tínhamos combinado, ninguém mexeu nela.
Dr. Paulo foi embora e nós nos pusemos a chorar, apavorados com o que tínhamos feito e sem saber quais seriam as consequências de nosso “protesto”. A aula seguinte era de Matemática e o professor era Zé Issa, que encontrou a turma toda em prantos. Nunca esqueci sua reação e, o pior, o sermão que ele nos passou.
Para começar, nos chamou de bobocas. “Não inventaram? Tem que dar conta. Agora aguenta e endireita as pernas”, vociferou o Zé, para uma turma que, a estas alturas, já estava profundamente arrependida. E aceitou, sem discordância, um sermão merecido.
Dr. Paulo acabou dando outra prova e todo mundo tirou nota máxima. Mas o remorso pela atitude e a vergonha pela desfaçatez do “protesto” me acompanharam a vida inteira. Assim como a carraspana daquele jovem professor, que nos impressionava pela figura inusitada, usando camisa de seda preta e cabelo grande.
Alguns anos depois, fui morar em frente à sua casa na rua Coronel Cândido Viana. Fomos vizinhos por uma vida, desde o meu casamento em 1960 e enquanto ele viveu. Zé e Natércia eram uma mão na roda para a jovem esposa e mãe ainda sem prática. Qualquer ajuda que eu pedia, eles atendiam. O cuidado que eles tinham com os filhos era uma coisa fora do comum e me deixava impressionada. Não podia ter vizinhos melhores.
Vez ou outra, me vem uma pontinha daquele antigo arrependimento. Mais forte do que ele, vem o sermão de Zé Issa. Na certeza de que fomos suficientemente corrigidos, assento a minha alma e fico em paz.
Zélia Cerqueira, 88 anos, é antes de tudo uma professora, que educou gerações. Ex-diretora da FPL, foi aluna da primeira turma do curso de Letras